Esse é um duelo oportuno. Sonega-se tanto no Brasil porque os impostos são muito pesados ou os impostos são muito pesados porque se sonega tanto no Brasil? Trata-se de um “dilema Tostines” ou, dito de forma pseudofilosófica, um dilema cujas hipóteses têm causas e consequências invertidas e que se anulam mutuamente. Os dois placares são atualizados (supõe-se) em tempo real.
O Impostômetro é uma iniciativa mais antiga, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), e o mostrador digital está na fachada de sua sede, no centro paulistano, e em seu portal na internet. Placar desses dias do Impostômetro: R$ 1,725 trilhão, e o site mostra o que daria para construir, contratar ou adquirir com essa dinheirama, como postos de saúde, TVs e professores no ensino público.
O Sonegômetro, mais recente, é uma ideia do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Também tem site, que não mostra o que daria para fazer com os impostos que, criminalmente, deixam de ser pagos. Mas é possível saber os valores de sonegação estimados por hora ou por habitante. Placar desses dias do Sonegômetro: R$ 443,675 bilhões.
Quer dizer, então, que é sonegado o equivalente a um quarto do imposto que se paga?
O capitalista brasileiro, de fato, sofre para dar conta de alimentar o leão com bifes frescos da própria carne a cada instante. Julga que paga muito caro para comprar, para investir e para gerar emprego. Mas não seria esse “muito caro” relativo a quanto se sonega? Possivelmente, como é relativo também ao ideal de sociedade que acalentamos.
No pensamento estritamente liberal, o capitalista pode justificar que o melhor a fazer pela sociedade é almejar o lucro, pois sua produção gera a própria demanda. Entretanto, por que nem o capitalista norte-americano pensa assim? Se a carga tributária brasileira é de 36% do nosso PIB, nos Estados Unidos, não passa de 25% do PIB de lá. Significa que, se a carga brasileira fosse menor, o capitalista brasileiro sonegaria menos? Significa também que, a exemplo do colega estadunidense, ele teria todo interesse e entendimento em investir mais em seus setores de pesquisa, de Ciência e Tecnologia e faria generosas doações a universidades?
O analfabeto político que hostilizou o ministro Patrus anteontem em Belo Horizonte disse ser empresário e admitiu sonegar em vez de dar dinheiro para a corrupção. É essa a preocupação cívica dos investigados na operação Zelotes? A fraude fiscal investigada pela PF é estimada em R$ 19 bilhões. Pela proporção dos placares de Impostômetro x Sonegômetro, se a cifra sonegada fosse de R$ 14 bilhões, seria paga regiamente? Ou a melhor alternativa continuaria a ser a propina aos titulares do Carf, em valores significativamente menores?
A reforma tributária – talvez o maior desafio estrutural do Brasil – é necessária não apenas para se buscar reduzir os dígitos nos dois placares, mas também em favor de um sistema mais justo, ou seja, mais progressivo. Entretanto, antes, muitos capitalistas brasileiros poderiam repensar suas intenções patrimonialistas que tanto gostam de criticar na política.
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