O futebol é curioso. Ele te leva aos extremos. E mesmo que o coração fale mais alto, aquele sentimento passional presente em cada torcedor, a razão prevalece. Não há espaço para a ingratidão no mundo da bola. Eu sei que já te xinguei bastante. Passei domingos irritados lamuriando os jogos pífios em que parávamos na retranqueira – ou perdíamos – de “Stokes, Sunderlands e Bournemouthes da vida”, aqueles times pequenos que sempre estavam dispostos a nos fazer passar vergonha, ou, ainda, quando íamos enfrentar um dos nossos gigantes rivais do futebol inglês fora de casa e um tropeço parecia iminente.
Mas não há como negar que você, Arsène Wenger, abriu minha visão futebolística à Premier League e tudo que o futebol inglês poderia me proporcionar em termos de análise de jogo. Sinto orgulho de você, pois, diferentemente de outros técnicos, jamais abriu mão da filosofia ofensiva, mesmo quando as vacas magras apareceram (ah, esse Emirates Stadium...). E foi difícil, neste período de vexames sucessivos, ver sua história sendo maculada por decisões, muitas delas, que não passaram por suas mãos.
O futebol é muito cruel. Mas digamos que você, Wenger, tenha pagado por sua própria ousadia. Quem diria que um técnico francês vindo do Nagoya Grampus, do Japão, mudaria para sempre o futebol inglês. E abriria as portas para tudo que vemos na Liga, em termos de qualidade técnica e de comando, nos dias atuais. “O futebol deveria ser uma arte”, você sempre preconizou, professor. E sob a sua batuta, Wenger, o Arsenal pintou um dos mais belos quadros da história do mundo da bola.
Berkgamp inverte para Cole, que toca para Pirès. Do camisa 7, a bola para em Vieira. Gilberto Silva aparece e recebe e já emenda para Pirès, novamente, sair em velocidade pelo meio e tocar para Bergkamp. Vieira, então, sobe na esquerda, bate o marcador com aquelas passadas largas, recebe o passe e cruza rasteiro para Pirès tocar para o fundo das redes. É o gol do título invicto da Premier League 2003-2004 no empate com o Tottenham por 2 a 2, dentro do White Hart Lane, a antiga casa do nosso odiado rival. Redknapp e Robbie Keane tentaram estragar a festa, mas naquele dia não precisamos nem de Henry para que o título ficasse na parte vermelha e branca do norte de Londres.
Em um futebol tão volátil, você permaneceu por lá. E o admiro por isso. Mesmo quando aquele 8 a 2 para o Manchester United parecia ter dado o golpe final em sua jornada, ou o mais recente vexame frente ao Nottingham Forrest pela Copa da Inglaterra. Mas isso jamais combinaria com a sua história, Wenger. Por mais que seja duro, na vida sempre há o momento de abrir mão. E que bom que você ainda tem a oportunidade de sair no auge, dando aos Gunners um título europeu que bateu na trave quando cruzamos com o Barcelona na final da Champions.
A você, “The Boss”, meu eterno agradecimento. Na alegria ou na tristeza, você forjou em mim a certeza de que o futebol sempre será muito mais do que um jogo. É a própria representação da vida. E é neste carrossel, do inferno ao céu, que crescemos. O Arsenal cresceu com você.