O principal problema brasileiro que atravessa toda nossa história é a monumental desigualdade social que reduz grande parte da população à condição de ralé.
Os dados são estarrecedores. Segundo Marcio Pochman e Jessé Souza, que substituiu o primeiro na presidência do Ipea, são apenas 71 mil pessoas (ou 1% da população) os multibilionários brasileiros que controlam nossas riquezas, nossas finanças e o jogo político. Essa classe dos endinheirados, que Jessé Souza chama de “classe do privilégio”, além de perversa socialmente, é extremamente hábil, pois se articula nacional e internacionalmente de tal forma que sempre consegue manobrar o poder do Estado em seu benefício.
Seu maior feito atual foi vergar a orientação da política dos governos Lula-Dilma na direção de seus interesses econômicos e sociais, apesar das intenções originais do governo de praticar uma política alternativa, própria de um filho da pobreza e do caos social.
A pretexto de garantir a governabilidade e de evitar o caos sistêmico, essa classe do privilégio conseguiu impor o que a interessava: a manutenção inalterável da lógica acumuladora do capital. Os projetos sociais do governo não a obrigavam a renunciar a nada; antes, eram funcionais aos propósitos dela.
Essa classe de endinheirados coagia o governo a pagar a dívida pública antes de atender as demandas históricas da população. Assim quitava-se a dívida monetária com sacrifício da dívida social, que era o preço para poder fazer as políticas sociais. Essas, nunca havidas antes, foram robustas e incluíram cerca de 40 milhões de pobres no consumo.
Tudo indicava que, com quatro eleições ganhas, apesar dos constrangimentos sistêmicos, se consolidava outro sujeito de poder, vindo de baixo, das maiorias oriundas da senzala e dos movimentos sociais. Essas começaram a ocupar os lugares e usar os meios antes reservados à classe média e aos da classe do privilégio que, no fundo, nunca aceitou Lula e nunca se reconciliou com o povo.
Foi aí que os antigos donos do poder despertaram raivosamente, pois poderiam, pela via do voto, nunca mais chegar ao poder. Instaurada uma crise político-econômica no governo Dilma, cujos contornos são globais, a classe do privilégio aproveitou a oportunidade para agravar a situação e, pela porta dos fundos, chegar ao Planalto.
Criou-se uma articulação nada nova, já ensaiada contra Vargas, Jango e JK, assentada sobre o tema moralista do combate à corrupção. Para isso, era necessário suscitar a tropa de choque que são os partidos da macroeconomia capitalista (PSDB, PMDB e outros), apoiados pela imprensa empresarial que foi o braço estendido das forças mais conservadores e reacionárias de nossa história.
A narrativa é antiga, pois sataniza o Estado como o antro da corrupção e magnifica o mercado como o lugar das virtudes econômicas e da inteireza dos negócios. Nada mais falso. A corrupção é mais selvagem no mercado, pois sua lógica não se rege pela cooperação, mas pela competição. Mas essa narrativa conquistou a classe média. Para garantir sucesso nessa empreitada perversa, criou-se uma articulação que envolve grandes bancos, a Fiesp, o MP, a PF e alguns setores do Judiciário.
O atual processo de impeachment à presidente Dilma se inscreve dentro desse quadro golpista, pois trata-se de tirá-la do poder não por via eleitoral, mas pela exacerbação de práticas administrativas consideradas crime de responsabilidade. A injustiça é o que mais fere a dignidade de uma pessoa. Dilma não merece essa dor, que é pior do que aquela sofrida nas mãos dos torturadores.
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Quadro golpista preparou a volta da classe do privilégio
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