Quando há uma crise generalizada, como a que estamos vivendo, não temos alternativa senão voltar à fonte do poder político, expressão da soberania de um povo. Temos que resgatar todo o valor do primeiro artigo da Constituição, parágrafo único: “Todo poder emana do povo”.
O povo é, pois, o sujeito último do poder. Em momentos em que uma nação se encontra num voo cego e perdeu o rumo de seu destino, esse povo deve ser convocado para dizer que tipo de país quer e que tipo de democracia deseja. Urge avançar mais: precisamos dar forma política ao nível de consciência que cresceu em todos os estratos sociais, mostrando vontade de participação nos destinos do país. No fundo, volta a questão básica: vamos nos alinhar aos que detêm o poder mundial ou vamos construir nosso caminho autônomo, soberano e aberto à nova fase planetizada da humanidade?
O primeiro projeto prolonga a história ocorrida até os dias de hoje: desde a Colônia, passando pelo Império e pela República, sempre fomos mantidos subalternos. Os ibéricos não vieram para fundar aqui uma sociedade, mas para montar uma grande empresa internacional privada. Essa lógica perdura até os dias atuais: tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities, com parca ou nenhuma tecnologia e valor agregado, num processo de recolonização. Lamentavelmente, esse é o intento do atual governo interino.
O projeto alternativo finca suas raízes na cultura brasileira e no aproveitamento de nossa imensa riqueza, que nos pode sustentar como nação independente, soberana e aberta a todos os demais países. Seríamos uma grande potência, não militarista, nos trópicos, com uma economia entre as maiores do mundo.
Curiosamente, as jornadas de junho de 2013 e posteriores mostraram que o povo percebeu os limites da formação social para os negócios. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil. Tal propósito implica refundar o Brasil sobre outras bases. Mas quem escutou o clamor das ruas, especialmente dos jovens? Efetivamente, ninguém, pois tudo ficou como antes.
O que, na verdade, faltou em nossa história foi uma verdadeira revolução, como houve na França, na Itália e em outros países. A história nunca é uma continuidade. Ela é feita de descontinuidades e rupturas radicais, que derrubam uma ordem e instauram uma nova. No Brasil, nunca tivemos essa ruptura. O que predominou em todo o tempo é a política de conciliação entre os poderosos. O povo sempre ficou de fora, como sujeito incômodo, dos acertos feitos por cima e contra ele.
O que está ocorrendo agora com a tentativa de impeachment da presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita, é dar continuidade a essa política de conciliação das elites, do capital rentista e financeiro, daqueles 10%, segundo o IBGE de 2013, que controlam 42% da renda nacional. Jessé Souza, do Ipea, os enumera: são 71.440 super-ricos que manejam o Estado e os rumos da economia. Não lhes importa a perversa desigualdade social, uma das maiores do mundo, que se traduz em favelização de nossas cidades, violência absurda, geração de humilhação, preconceito e degradação social por falta de infraestrutura, saúde, escola e transporte.
Se o Brasil foi fundado como empresa, é hora de se refundar como sociedade de cidadãos criativos e conscientes de seus valores.
Meu sonho é que a atual crise não seja em vão. Que se busque viabilizar o que prescreve a Constituição em seu terceiro artigo: “Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
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Que país e que democracia desejam os brasileiros?
Quando a nação perde o rumo, o povo deve ser convocado
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