Nas últimas décadas, o país controlou a inflação catastrófica herdada da ditadura, reduziu a pobreza, ampliou o acesso a Universidades. No entanto, muitos de nossos problemas se acentuaram, com ênfase naqueles relacionados à vida urbana.
A tônica nas cidades brasileiras na segunda metade do século 20 foi de crescimento desordenado e descaso das administrações públicas. Periferias se multiplicaram sem infra-estrutura, gerando graves problemas para a vida de milhões. Foi nesse contexto que movimentos populares se organizaram e lograram incluir na constituição federal de 1988 tópicos da reforma urbana.
Essses artigos foram regulamentados no Estatuto das Cidades, lei federal que estabelece a função social da terra e uma série de políticas nesse sentido. O Ministério das Cidades, criado em 2003 pelo governo Lula, chegava para executar essa política e tinha em sua equipe estudiosos, professores e técnicos competentes. Este grupo criou um processo participativo sem precedentes, formulou propostas bem fundamentadas, tudo exposto em belos cadernos.
Apesar disso, nossa crise urbana se acentuou nos últimos anos. Como isso aconteceu?
O período virtuoso do Ministério das Cidades conviveu com a política de austeridade fiscal do primeiro governo Lula. Assim, boas formulações geraram poucos investimentos. Com o escândalo do mensalão, o governo adotou uma política de super-coalizão pela governabilidade, entregando o Ministério das Cidades ao PP, partido conservador formado por próceres da ditadura, em troca de apoio parlamentar.
Já na economia, a partir de 2007, a austeridade foi dando lugar ao desenvolvimentismo. Quando a torneira do governo se abriu, diretrizes e marcos regulatórios conquistados a duras penas foram esquecidos para que se executasse políticas decididas junto a meia dúzia de empreiteiras e montadoras de veículos.
O programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi uma política de combate à recessão econômica, mas não ao déficit habitacional. Incentivou construtoras com margem alta e retorno certo, mas não houve regulação para que isso gerasse urbanidade. Bairros inteiros foram formados nas bordas das cidades, monótonos e segregados, carentes de transporte, serviços básicos, comércio e serviços.
Embora o MCMV tenha construído mais de um milhão de moradias nos anos de 2009 e 2010, o déficit habitacional cresceu espantosos 1,5 milhão no período. Pesquisadores explicam esse contrasenso pela falta de regulação combinada ao excesso de incentivos dado às construtoras, que passaram a adquirir cada vez mais terrenos e controlar os fluxos de crescimento urbanos, fazendo subir os preços de imóveis. De 2008 a 2013, os aluguéis em São Paulo cresceram 195%, muito acima do IPCA.
Na outra ponta, o governo ofereceu bilhões em desonerações fiscais para veículos. Acidentes, poluição e trânsito foram às alturas. O tempo médio no trânsito dobrou em uma década, em muitas cidades. As mortes por acidentes de trânsito no país saltaram de 28.995, no ano 2000, para 43.256 em 2011. A poluição do ar hoje mata mais nas cidades brasileiras do que dengue e aids juntas.
Como não houve regulação e incentivo ao transporte coletivo, os serviços foram precarizados e as tarifas subiram muito acima da inflação. O resultado do conjunto é desigualdade urbana, imobilidade e violência estrutural, caldeirão que explodiu nas manifestações de 2013.
As eleições de outubro, que já estão aí, deveriam trazer este debate de volta. A esquerda tem uma oportunidade de rever rumos e retomar tema tão central na agenda de redução de desigualdades – inclusive a partir das boas experiências de governos municipais petistas. A direita responsável, não autoritária, deveria ter muito a dizer sobre cidades e eficiência econômica.
Quais as propostas de candidatos aos parlamentos, governos estaduais e à presidência para o enfrentamento à nossa gravíssima crise urbana? Como estruturar o Ministério das Cidades em sua relação com prefeituras para gerar transformações reais, que resultem em cidades mais justas, seguras, ambientalmente corretas e melhores para se viver?
Aí estão questões-chave para nossa vida presente e futura. Quem vai respondê-las?