Madri, 25 anos depois. Como voltar a um lugar onde se esteve há um quarto de século, que representou uma nova etapa de sua vida, quando se tinha a cabeça cheia de sonhos e, exatamente, a metade da idade que se tem hoje?
Viagem complicada essa. Ainda mais que não foi programada, não foi permitido que eu me preparasse para ela. Foi assim, de sopetão. Uma semana antes de chegar aqui, nem sonhava que viria. Viagem a trabalho, convite irrecusável.
Vamos lá, então, Madri, seja boazinha comigo, pensei. Seja pelo menos igual ao que foi. Não exatamente igual, claro, já não somos as mesmas, já vivemos e sofremos muitos nestes anos de separação, mas que, pelos menos, uma não estranhe a outra.
Foi, assim, com essa torcida, que passei as nove horas de viagem, que me separaram do calor brasileiro (em todos os sentidos) para o frio madrilenho (e que, por favor, fosse só físico). O ar gelado e o vento cortante, na chegada, poderiam ser sinais de que Madri não ansiava pela minha presença. Mas lá estava o céu claro e um raiozinho de sol a me receber, como a dizer, “vem, está tudo bem”.
Claro que houve a crise de choro no quarto, sozinha, assim que me instalei no hotel. Mas me aguardavam meus companheiros de viagem, para que eu fosse uma espécie de cicerone, afinal, eles sabiam que havia morado na cidade por dois anos e meio.
Não fiz feio. Um pouco mais abaixo, a Puerta do Sol, más allá a Plaza Mayor. No caminho, o Museo de Jamón. Entramos, e ali, em meio a muita gente e patas negras penduradas no teto, travei o seguinte diálogo com o atendente, um senhor:
– Até que horas vocês ficam abertos?
– O dia todo
– Não, a que horas fecha a loja (repeti a pergunta, achando que ele não havia entendido meu espanhol)
– O dia todo
Um moço, espanhol, que estava ao meu lado, repetiu a minha pergunta para o vendedor, ao que ele respondeu:
– O dia todo (fez uma pausa), e me perguntou: - a que horas termina o dia?
– Meia-noite, respondi.
– Pois bem, fechamos à meia-noite, arrematou ele, com aquele jeito tipicamente espanhol de brincar, que pode, para muitos, parecer grosseria.
– Ah, é? Pois então vou voltar às onze e meia da noite, falei, devolvendo a brincadeira.
– Pois, a essa hora, pode ser que nos encontre bravos.
– E por que?, perguntei.
– Ora, você tem o dia todo pra vir e vem às onze e meia.
Rimos todos: eu, o vendedor e o moço que acompanhou o diálogo.
Pode parecer uma bobagem para você, leitor, mas essa conversa no Museo de Jamón era tudo o que precisava para me sentir em casa.
Quando conheci Madri, lá atrás, me identifiquei com tudo: com o clima, com as ruas cheias de gente, com o jeito madrilenho de ser... Por isso, o receio de como seria esse reencontro com a cidade que eu sempre disse ser “a minha cidade”.
Há 25 anos, ela era pulsante. A Espanha acabava de sair de um momento turbulento de sua história e entrava na Comunidade Europeia; Pedro Almodóvar estreava “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”, o filme que o catapultou para o mundo. A Espanha “estava de moda”, e Madri era a síntese desse espírito.
Hoje, claro, não a vejo assim. Mas, tampouco, a vejo frágil ou triste ou arredia.
Madri pode não ser a mesma daquele tempo, porque nunca se é, depois de tantos anos. Nem mesmo uma cidade tão antiga, que já passou por toda a sorte de acontecimentos, vai permanecer a mesma. E, mesmo que isso fosse possível, eu, com tudo o que vivi neste espaço de tempo, não a veria do mesmo jeito.
Foi um feliz reencontro, agora posso dizer. Já não somos as mesmas. Ambas não estamos, vamos dizer assim, num momento muito bom das nossas existências. Sofremos um duro golpe, e ela parece seguir com certa tranquilidade.
Talvez, seja isso o que vim fazer aqui. Ouvir o conselho da velha amiga.
Crônica originalmente publicada no dia 23/01/ 2013. A colunista está de férias
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