A invasão da Rússia à Ucrânia completa um mês nesta quinta-feira (24) com mais de 3,4 milhões de refugiados e cerca de mil mortos, conforme balanço prévio da Organização das Nações Unidas (ONU). Além das graves consequências humanitárias, a guerra também desestabilizou a economia mundial. No Brasil, os impactos já são observados por consumidores. Produtos básicos como leite, pão francês, carnes, ovos, óleo de soja, arroz, feijão e farinha de trigo tiveram os preços reajustados nas gôndolas dos supermercados. 

Levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com base na bolsa de valores de Chicago, aponta que desde o início do conflito commodities agrícolas que são matéria-prima para diversos produtos consumidos diariamente pelos brasileiros foram reajustados. A soja, base do óleo usado na cozinha, subiu 1,78%. O milho, principal fonte de alimentação de aves, bovinos e suínos - incidindo sobre os preços da carne, ovos e leite - foi elevado em 8,81%. 

Já o trigo, utilizado em larga escala na indústria da panificação e de massas, cresceu 20,87%. Além das commodities, o preço dos combustíveis e do gás de cozinha também foi afetado por seguir a dinâmica do mercado internacional, conforme diretriz de gestão da Petrobras. A gasolina foi reajustada em 17% e o litro já chega a quase R$8, enquanto o diesel aumentou 25% e se aproxima de R$7. Na cozinha, o preço do gás subiu 16%. 

“Com a alta dos combustíveis, encarecendo as operações nas lavouras e o frete dos produtos, o produtor pagará mais para produzir alimentos. Todos os setores estão sendo impactados em geral”, atesta Caio Coimbra, gerente de agronegócio da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg). Uma das principais preocupações do setor diz respeito à oferta de fertilizantes, já que 25% dos químicos importados para a adubação no campo vem da Rússia.

Desde o início da guerra, os principais insumos utilizados nas lavouras, importados da Rússia, como a uréia, potássio e fósforo, também aumentaram de preço. Também há dificuldade no acesso aos fertilizantes, já que a saída de navios nos portos do leste europeu está mais demorada e burocrática. A situação, conforme Coimbra, gera incertezas e deve afetar a produção da safra de verão, prolongando o problema para o resto do ano. “Deverá resultar num produto mais caro, pois há um aquecimento da demanda mundial pelo produto”, afirma. 

A coordenadora do Núcleo de Inteligência de Mercado da CNA, Natália Fernandes, diz que o momento é delicado para os produtores rurais. Ela reforça que a safra plantada no segundo semestre pode ser afetada, principalmente se houver uma manutenção do conflito e das condições atuais de acesso aos fertilizantes e preços de commodities. “A gente não sabe como vai se dar o conflito. E mesmo com um cessar-fogo, as atividades não voltam de imediato”, afirma. 

Fernandes ainda alerta que a plantação de milho, prevista para ocorrer em abril na Ucrânia, bem como a colheita de trigo, em junho, na Rússia, podem não ocorrer em função da guerra. “O que a gente percebe é que ainda não houve impacto na questão de oferta, mas sim relacionados aos preços e riscos de restrições de produtos produzidos na Ucrânia e na Rússia”, analisa. 

Supermercados 

A Associação Mineira de Supermercados foi questionada sobre aumento de preços em função da guerra, mas não se posicionou. A organização nacional do setor afirmou que não realizou estudos desse tipo. 

Guerra agrava cenário nacional 

O diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, afirma que o Brasil vivencia dois problemas: “um é a própria guerra, e o outro diz respeito ao que deveríamos ter feito para não viver dramas que estamos vivendo e ainda vamos viver”, analisa. Dentre os pontos criticados por ele está o reajuste dos combustíveis conforme o preço do petróleo internacional. 

“É um valor que vai chegar a todos os custos de produção do Brasil. Somos um país efetivamente rodoviário. Para matéria-prima chegar ou produto acabado sair, o custo vai ser relevante e vai se disseminar para a economia como um todo”, ressalta. Para Fausto, a situação deve complicar o trabalho em pequenas lavouras. “Boa parte dos insumos subiram muito. É bem provável que tenhamos produtores abandonando culturas por não dar conta do custo que vão ter”, acrescenta. 

Instabilidade não termina com a guerra 

Na avaliação do professor de Relações Internacionais do Ibmec, Mario Schettino, um acordo que represente o fim do conflito entre russos e ucraninos não é garantia de resolução dos problemas apresentados com a guerra. “Independente do momento e da forma como seja solucionada a guerra, vamos ter uma instabilidade política muito grande na região, dado o volume de armas despejado na mão de civis, para além das forças armadas. E se não tem estabilidade política, não tem estabilidade na economia”, analisa o especialista, que também integra o corpo docente do departamento de Ciências Econômicas da UFMG. 

Schettino lembra a severidade das sanções aplicadas contra a Rússia por diversos países. As punições devem se manter mesmo após um cessar-fogo no leste europeu. “Mas à medida que se passa um tempo os atores econômicos sancionados costumam encontrar mecanismos para contornar essas sanções, seja por intermédio de terceiros países que não sancionam para fazer as exportações”, explica.

Negociações

As negociações entre Rússia e Ucrânia para um cessar-fogo do conflito começaram quatro dias após a invasão russa, em 28 de fevereiro. Todavia, os encontros ainda não resultaram na costura de um acordo de paz. O professor diz que o período de 30 dias de duração da guerra é curto, se comparado com outros momentos de tensão política na história. Mario Schettino citou como exemplo o conflito entre Estados Unidos e Iraque, em 2003, que se prolongou por mais de 100 dias. 

"O estilo de engajamento que a Rússia adota não é o de, necessariamente, dominar todo o território e, talvez, por isso, que Vladimir Putin tenha usado o nome de operação especial, para dominar regiões e importantes e estratégicas para os russos, mas sem dominar todo o território", diz Schettino.