LUIZ TITO

Minas morde a isca

O rompimento da barragem da Vale, pelo que tudo indica, ceifou a vida de cerca de 330 pessoas


Publicado em 05 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Na semana passada, sob o título “Vale de prepotência”, alertamos sobre os desmandos e omissões da Vale, que culminaram com a repetição, desta vez em Brumadinho, da tragédia que, em 2015, atingira a região de Mariana.

A catástrofe em Brumadinho, embora tentem minimizar alegando se tratar de derramamento de menor volume de lama, já computa 121 mortos e 208 desparecidos, segundo as últimas informações. Portanto, o rompimento da barragem da Vale, pelo que tudo indica, ceifou a vida de cerca de 330 pessoas. Trata-se da maior tragédia já ocorrida em Minas Gerais, que alcançou as páginas do “The New York Times”, no dia 31.1.2019, com a manchete “Brazil’s lethal environmental negligence” (“Negligência ambiental letal no Brasil”). E assim deve ser tratada, sem qualquer atenuante ou arrefecimento.

Fala-se de um laudo que demonstra que a Vale sabia de problemas na barragem, o que, aliás, nos parece confessado em entrevista dada pelo presidente da empresa, que, diante das câmeras, afirmou que haviam assegurado a ele que os riscos eram “pequenos”.

Em vídeos que circularam pelas redes sociais, inclusive um feito pelo prefeito de Betim, Vittorio Medioli, o tamanho do dano assombra. O rio Paraopeba, antes bom para o abastecimento de cidades, para a pesca e o lazer, hoje agoniza com uma coloração marrom de pura lama proveniente da barragem da mina de Córrego do Feijão. Mais impressionante ainda, e que confirma a prepotência da empresa, é o fato de que a lama se encontrava estacionada ou já desacelerada, o que reduziria a região atingida. Mas a Vale, com receio de rompimento de outra barragem, drenou a água ali depositada e a liberou por cima do mesmo vale do córrego do Feijão, empurrando a lama até o leito do Paraopeba. Crime. Não há outro nome para isso.

Assim, dúvidas não há de que a prisão de técnicos de segundo escalão está longe de ser medida à altura do problema e de suas consequências. Gente mais graúda deve responder pela negligência, omissão e falta de prevenção. Caso contrário, a imagem do Brasil (e da Vale) será ainda mais manchada pela impunidade da qual somos acusados, historicamente, pelo mundo inteiro.

Dúvida não há, pois, de que o mais lógico é a destituição de toda a diretoria da Vale, o que deveria ser inexorável diante de mais de 300 mortos. E que os culpados paguem pelos seus erros.

No entanto, ao mesmo tempo em que devem, sim, pagar (e até com cadeia, dependendo das apurações), a Vale, já há muito, pretendia reduzir sua produção em Minas. Sempre tendo o lucro como timoneiro, a empresa não retoma o funcionamento da Samarco porque o fechamento desta eleva os preços de produtos da Vale, sem a necessária divisão com a BHP (sócia igualitária na Samarco). Ao mesmo tempo, tem o grosso de sua produção no Norte do Brasil, a um custo muito inferior ao de Minas Gerais. Logo, o fechamento das atividades em Minas era questão de tempo. Agora, o Estado, pressionado pelo ocorrido, baixa decreto que exige o descomissionamento das barragens em três anos. Isso acaba sendo um presente para a infratora, que atinge seu objetivo de descontinuar sua produção em Minas, arrasando seus colaboradores, os municípios mineradores, a indústria siderúrgica e até outros mineradores no Estado e, ao mesmo tempo, contribuindo para a elevação do preço do minério pela redução de produção para manter-se na absoluta liderança nacional por meio de suas jazidas em Carajás e adjacências.

O Estado tem, sim, que aumentar a fiscalização e exigir da Vale, como nunca fez, a reparação plena de todos os danos causados em Mariana, em Itabira, em Brumadinho, enfim, em Minas Gerais nos últimos anos. Simplesmente mandar fechar pode ser tudo que a Vale deseja, para, como dito no ditado popular, “tirar o bife da chapa com a mão do gato”.

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