LUIZ TITO

Vale de prepotência

Após mais uma tragédia causada por rompimento de barragem de mineração em Minas, a cena se repete


Publicado em 29 de janeiro de 2019 | 03:00
 
 
 
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Após mais uma tragédia causada por rompimento de barragem de mineração em Minas, a cena se repete. Uma comoção em torno da busca por sobreviventes e do resgate de corpos, que devem se aproximar de 400, o que torna o desastre de Brumadinho 20 vezes mais grave que o ocorrido há três anos em Mariana; neste, 19 pessoas perderam a vida. O engajamento de voluntários, o heroico trabalho dos bombeiros e da Polícia Militar de Minas Gerais, o envolvimento de técnicos vindos de Israel e as autoridades de colete sobrevoando o local estão sendo usados como cortina de fumaça para encobrir o que deveria ser a primeira providência da polícia: interdição imediata do local para evitar alteração de provas no ambiente, para que as causas possam ser apuradas com a profundidade que merece e os culpados sejam exemplarmente punidos desta vez. Mas não; o Ministério Público e a Advocacia do Estado parecem que se contentam com bloqueios de valores que não trazem qualquer prejuízo para a causadora da tragédia (até porque continua dona dos valores), a não ser o efeito midiático do deferimento de tais bloqueios pelo Judiciário. A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e os órgãos ambientais federais se esforçam para livrarem-se de responsabilidades, acenando para a aplicação de multas.

Pois bem. Embora tenha sido considerado o segundo maior acidente ambiental do mundo e o maior da história do Brasil, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, segue sem culpados. Criaram uma de tal Fundação Renova, que, coordenada e dirigida pelas próprias empresas Samarco, Vale e BHP, serve como escudo de embromação. Nem as casas dos atingidos foram, ainda, entregues por essa Fundação, que agora “se compromete” que a resolução ocorrerá em 2020.

Há cerca de 15 dias, assistimos a um movimento de interdição da linha férrea Vitória-Minas, administrada pela Vale, simplesmente por que essa empresa e suas comparsas em Mariana conseguiram uma liminar na Justiça (na 12ª Vara Federal de BH) para deixarem de pagar lucros cessantes para os pescadores atingidos pelo assoreamento dos rios. A empresa Cenibra ficou paralisada por 17 dias por não poder retirar água do rio Doce, principal matéria-prima para sua atividade, e, com isso, perdeu contratos, aumentou muito seus custos de produção, demitiu gente e teve toda sorte de prejuízos. Ela vê seu processo arrastado na Justiça de Mariana, aguardando o desfecho de uma perícia que parece não ter fim.

Agora, mais recentemente, acolhendo proposição do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, que redundou na ordem do juiz da 12ª Vara Federal para contratação da Fundação Getulio Vargas como perita do juízo para apuração dos danos socioeconômicos da tragédia de Mariana, as empresas retardam tal contratação há mais de um ano, e absolutamente nada acontece para elas no processo. Se com uma Cenibra fazem isso, imaginemos com pessoas que perderam parentes e suas casas. Mas, enquanto isso, os lucros da Vale aumentam vertiginosamente, com elevação de mais de 32% em 2017, superando a cifra de R$ 17,6 bilhões de lucro.

Passou da hora de um basta. É hora de a sociedade mineira ser tratada com respeito e ser ressarcida, de forma justa, por anos de depredação causada pela Vale, que leva nosso minério e deixa desgraças como a de Mariana e, agora, a de Brumadinho. Se a figura do dolo eventual existe no mundo jurídico, poucas vezes se viu tão presente quanto agora na cidade da região metropolitana de Belo Horizonte; afinal, o Presidente da Vale, diante das câmeras, logo após a tragédia, admitiu que havia sido assegurado a ele que o risco de desabamento era “pequeno”. Mas havia risco, e, ainda assim, a empresa manteve seu refeitório nos pés da barragem. Isso já extrapola a prepotência pura e simples, e assim seguirá, pelo menos até que o Judiciário ponha na cadeia, ainda que preventivamente, os que são capazes de, ao que parece, dar de ombros para riscos “pequenos”, aqueles que ceifam vidas de centenas.

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