Quem pensa em circuito, pode lembrar-se do “Circo da Fórmula 1” e até de um desagradável e incendiário curto-circuito. Mas o circuito a seguir é uma longa e bela corrida. A entrevista de hoje é um presente para BH, Minas, Brasil e, modéstia às favas, para o mundo. O protagonista é o coordenador do Circuito Liberdade, Lucas Amorim, cujos dias, com certeza, têm 48 horas. Ou seriam 72? Adianta Lucas: “há mais de uma década, tenho me dedicado a desenvolver projetos, articular redes e criar oportunidades que conectam pessoas, ideias e territórios por meio da arte e do patrimônio cultural.  

Minha porta de entrada na cultura foi através da arte educação, que me levou por instituições como Cine Theatro Brasil, SESC Palladium, Palácio da Justiça e Palácio das Artes, todas integrantes do Circuito Liberdade”. Bom reforçar que o Circuito Liberdade nasceu e, durante muito tempo, ficou restrito à Praça da Liberdade. Coerente com a cidade, ele cresceu e não parou. Vamos falar muito mais e em detalhes, porém sem estragar a surpresa da coletiva de imprensa que acontece, em setembro, no Palácio das Artes e tem tudo para anunciar um novo e mais apropriado apelido para BH: além de Cidade Jardim ou Cidade dos Bares, Cidade das Artes (e de todas as Culturas). Fala Lucas, Capítulo 1, Versículo 50!

Lucas Amorim, historiador da arte, curador, gestor cultural e professor?

 E etc., rs.  Trabalhar com cultura é abrir frentes e construir pontes. Esse trabalho com as pessoas e, principalmente, com grupos mais vulneráveis, me fez refletir sobre como as condições de acesso são importantes, pois tem muita gente que ainda pensa que esses espaços culturais não são pra elas. Fico triste em saber que ainda hoje existem pessoas que têm curiosidade de entrar em um espaço cultural, mas que não rompem essa barreira invisível por receio de não serem bem-vindas. Nosso trabalho, enquanto agentes culturais, é ajudar a desconstruir isso, afinal os espaços culturais são para todas as pessoas e, mais que isso, na grande maioria dos casos, como no Circuito Liberdade, são mantidos com recursos públicos. 

 E o capítulo, Biblioteca Pública Estadual?
 Uma antiga história de amor, muito antes de assumir sua direção. Foi lá que estudei para o concurso público que me levou ao Palácio das Artes, em 2016. Foi também a partir do acervo da Hemeroteca que desenvolvi a pesquisa para meu mestrado. Os feitos que mais me orgulham são a conclusão das obras de revitalização; a inauguração do novo Carro-Biblioteca, que passou a atender cidades da região metropolitana de BH; a inserção de atividades culturais em alguns presídios e claro, a condução das comemorações dos seus 70 anos. Foi lá que aprofundei os estudos sobre inclusão e acessibilidade e me tornei, de fato, gestor cultural. Talvez a biblioteca seja a gênese do Circuito Liberdade, antes de 2010, era o único espaço cultural da Praça da Liberdade.

Hoje, uma enorme responsabilidade e muito trabalho, como coordenador executivo do Circuito Liberdade, certo?

Sim, uma responsabilidade ainda maior. No Circuito, a missão é desafiadora: integrar uma programação cultural que, por natureza, já nasce diversa devido à singularidade e aos diferentes perfis dos espaços que compõem a nossa rede. É como orquestrar uma pluralidade de narrativas, garantindo que elas se harmonizem sem perder suas identidades.

O que faz, exatamente, um coordenador executivo?

De forma objetiva, é quem garante que a engrenagem funcione. No caso do Circuito Liberdade, significa articular e integrar os diferentes espaços culturais da rede, pensar e viabilizar ações conjuntas, cuidar para que a comunicação seja alinhada e que a programação reflita a diversidade e a qualidade que o público espera. Exposições, espetáculos teatrais, mostras de cinema, contações de histórias, narrações artísticas, apresentações musicais e atividades educativas são o que o público vê, mas, por trás disso, o papel do coordenador executivo é muito mais amplo. É atuar entre a estratégia e a prática, fazendo a ponte entre quem planeja e quem executa e, muitas vezes, colocar a mão na massa para que as coisas realmente aconteçam; seja organizando agendas, mediando demandas, integrando comunicação ou fomentando ações coletivas que promovam o acesso democrático e a valorização do patrimônio cultural.

O que é, enfim, o Circuito Liberdade?

Mais do que um conjunto de prédios e instituições culturais, o Circuito Liberdade é um espaço de cooperação: seus integrantes compartilham agendas, planejam ações coletivas, articulam programações conjuntas e trabalham para ampliar o acesso e o pertencimento do público, democratizando o acesso aos bens culturais e fomentando o desenvolvimento territorial.  Ele nasceu no entorno da Praça da Liberdade, ressignificando o uso dos prédios que abrigavam as antigas secretarias do Estado de Minas Gerais em espaços culturais. Mas hoje ele extrapola esses limites, reunindo instituições de diferentes perfis e vocações, conectadas por um objetivo comum: oferecer ao público experiências culturais de qualidade, gratuitas ou a preços acessíveis, além de fortalecer a identidade e a geração de trabalho e renda através da economia criativa.

Dentro da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, da Fundação Clóvis Salgado, o Palácio das Artes é a cereja do bolo chamado Circuito Liberdade?

O Palácio das Artes é, sem dúvida, um dos grandes ícones do Circuito Liberdade, pela sua história, porte e relevância artística. É o maior complexo cultural da América Latina, um espaço que reúne todas as artes, concentra uma programação intensa e diversa, abriga companhias artísticas de referência, recebe eventos de grande visibilidade e mantém uma das mais importantes escolas de formação artística do país. Não por acaso, em 2023, a gestão do Circuito Liberdade passou para a Fundação Clóvis Salgado, que gerencia também o Palácio das Artes, o Palácio da Liberdade e a Câmera Sete. Mas a força do Circuito está no fato de que ele não se resume a uma única “cereja”, e sim a muitas: cada equipamento tem sua vocação, seu público e sua contribuição singular. 


 O Palácio da Liberdade seria o “creme”?

Se o Palácio das Artes é uma das “cerejas”, o Palácio da Liberdade pode sim ser visto como o “creme”, aquele elemento que dá sabor, identidade e que dá liga ao conjunto. O Palácio da Liberdade é, sem dúvida, um dos símbolos mais emblemáticos do Circuito Liberdade. Pela sua história e pelo que representa para Minas, ele carrega um valor simbólico único, que vai além da sua arquitetura e beleza, é um espaço que guarda memórias importantes e ajuda a contar a história política e cultural do Estado. 

E o “recheio com muito chocolate”?
 Ah, esse é fácil: é a programação cultural que os equipamentos do Circuito Liberdade oferecem ao longo do ano. É o que dá sabor, cor e vida a nossa rede, é aquilo que atrai o público, gera experiências e cria memórias afetivas. E já que estamos falando em bolo, o Circuito Liberdade “debutou” este ano: são 15 anos de história. E quem ganhou o presente foi a sociedade, com o lançamento do nosso portal, que reúne, em um só lugar, toda a programação cultural da rede. Para completar, o Circuito está “vestido” com uma nova identidade visual, que o público já pode conferir em nossas redes sociais.

O Circuito é o maior complexo cultural do Brasil? Quantos equipamentos, espaços?
 De toda a América Latina! Reúne – por enquanto - 34 espaços culturais integrados em um mesmo território articulado, com uma impressionante diversidade de tipologias que vão desde de museus, a centros culturais, bibliotecas e espaços de formação artística. Esse porte é resultado de dois grandes momentos de expansão. O primeiro, em 2015, quando o Circuito ultrapassou os limites da Praça da Liberdade e passou a congregar equipamentos culturais nas ruas Gonçalves Dias, da Bahia, Sergipe e João Pinheiro. O segundo, após 2020, quando o território foi ampliado para abranger todo o perímetro do projeto original de Belo Horizonte, delimitado pela Avenida do Contorno.

Ele é grande, diverso e não para de crescer?

Exatamente. Em junho deste ano, publicamos o Regimento Interno do Circuito Liberdade, que define os critérios para adesão de novos espaços culturais e também de empreendimentos criativos que incluem estabelecimentos, arranjos e complexos voltados à economia criativa, como comércios de bens e serviços, instituições e projetos culturais. Esse movimento reforça que o Circuito Liberdade não se limita a pensar apenas o impacto cultural e simbólico de nossas ações na formação cidadã, mas também considera seu papel econômico. A economia da cultura já representa cerca de 3% do PIB nacional segundo dados Itaú Cultural, gerando empregos, movimentando cadeias produtivas e fortalecendo territórios, e o melhor: com baixíssimo impacto ambiental, diferente de outros setores. 

O “Agosto das Artes”, de tão grande, continua, “quando entrar setembro”, como canta Beto Guedes. Assim, na coletiva de imprensa, mais surpresas?


Sim, será um dia de festa. Vamos celebrar “O” marco. E como são muitas boas surpresas, paro por aqui e esperamos todos no Palácio das Artes.  


Qual o futuro próximo do Circuito Liberdade?
 O futuro próximo é de crescimento e aprofundamento da nossa atuação. Com a publicação do Regimento Interno e a definição dos critérios de adesão, abrimos belo caminho. Investir em programações conjuntas, fortalecer a comunicação integrada, criar experiências culturais mais ricas para o público e potencializar o papel do Circuito como motor de desenvolvimento econômico e social, especialmente por meio da economia criativa. Muito em breve lançaremos um “videocast”. E vamos seguir valorizando o patrimônio, reabrindo alguns dos espaços já anunciados, mas que ainda se encontram em processo de requalificação.

 É o caso da Casa Rosada Gasmig, do Solar Narbona e do Palacete Dantas, estes últimos ainda sem data definida de inauguração. Os futuros tesouros de cada espaço também estão entre as surpresas. A requalificação do nosso patrimônio cultural oferecerá ainda mais condições para a formação de públicos e a participação da sociedade, para que o Circuito Liberdade continue sendo referência de cooperação, diversidade cultural e inovação em Minas Gerais e na América Latina.

Em pouco tempo você já tem grandes conquistas, quais?
O marco mais simbólico foi a publicação do Regimento Interno do Circuito Liberdade. Além disso, estamos retomando projetos estratégicos que haviam ficado adormecidos nos últimos anos, como a Semana do Patrimônio, realizada em parceria com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais e um seminário vinculado à Semana dos Museus, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus, no qual discutimos o futuro dessas instituições. 

E os desafios?
São muitos e, de certa forma, fazem parte da natureza de um projeto tão amplo e diverso quanto o Circuito Liberdade. O primeiro é manter a integração real entre espaços tão diferentes, respeitando a identidade e a vocação de cada um, mas garantindo ações coletivas que fortaleçam toda a rede. Outro desafio é equilibrar preservação e uso: muitos dos nossos equipamentos estão instalados em edifícios tombados, que demandam manutenção constante e cuidados específicos para receber o público e abrigar programações artísticas. Há também, o desafio permanente de garantir recursos e parcerias, de forma a sustentar e expandir as ações, sempre alinhados às políticas públicas de cultura, turismo e economia criativa e a sustentabilidade financeira das instituições. 

E planos para 2026?
Há uma pergunta latente que toda a rede de gestores do Circuito Liberdade tem feito: quantos empregos diretos estão sendo gerados pela economia da cultura no Circuito Liberdade e qual o impacto econômico que a cultura tem para o desenvolvimento do nosso território? Para responder a essas questões, em 2026, pretendemos realizar um estudo aprofundado sobre a economia criativa no âmbito do Circuito Liberdade. Outro objetivo é dar mais visibilidade às pesquisas já realizadas pelos nossos equipamentos culturais. Queremos que esses resultados cheguem ao público e à sociedade, reforçando a importância e o alcance do trabalho realizado. 

Para fechar, com chave de platina...
E, para fechar… gostaria que, em 2026, o Circuito Liberdade seja ainda mais diverso, mais integrado, mais inovador, mais próximo das pessoas e, acima de tudo, mais transformador para Minas e para todos que vivem e visitam o nosso Estado. Penso que mais do que receber públicos, precisamos construir mais espaços de escuta, pois quando a comunidade participa ativamente da vida cultural, ela deixa de ser espectadora e passa a ser coautora da história que estamos construindo e é nesse encontro que a cultura cumpre todo o seu potencial transformador.