Tomar remédios para ter condições emocionais e psicológicas de trabalhar e, assim, garantir o salário para comprar esses remédios. Esse é um ciclo relatado por pessoas com transtornos psiquiátricos como ansiedade e depressão que dependem de medicamentos para se sentir funcionais no cotidiano ao mesmo tempo em que comprometem parte da renda com fármacos que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Elas são alguns dos quase 27% dos brasileiros diagnosticados com ansiedade e 12,7% com depressão, segundo a pesquisa de saúde pública Covitel 2023, e alimentam um mercado que vendeu 113 milhões de antidepressivos e outros estabilizadores de humor só no último ano.
A arquiteta Renata Nogueira, de 29 anos, iniciou o uso de medicamentos psiquiátricos há oito anos e, desde então, coleciona um rastro de gastos, na medida em que precisou testar diversos remédios até encontrar algum que a ajudasse. “O medicamento devolve minha autonomia, eu consigo fazer minhas coisas no dia a dia com tranquilidade. Antes, eu tinha um plano de saúde que me dava desconto nas medicações, mas atualmente não tenho mais essa possibilidade. Todo mês é essa questão, faço pesquisa em todas as farmácias online para ver onde está mais barato. Muita gente acha que é um supérfluo, mas é um medicamento como outro para qualquer doença, e você tem que tomar por um período longo”, diz. Hoje, ela compromete cerca de 10% da renda de todos os meses com os medicamentos.
É comum que pacientes psiquiátricos precisem testar vários medicamentos até encontrar o que tenha o melhor resultado com menos efeitos colaterais — que podem envolver ganho de peso e diminuição da libido, por exemplo, que em alguns casos levam ao abandono do tratamento. Nesse caminho, pode ser que a melhor alternativa seja também a mais cara e esteja fora da lista do SUS.
“Revisar as listas estaduais e municipais é uma demanda urgente. São condições de saúde extremamente prevalentes na população, e precisamos de mais alternativas para o tratamento. Há várias para a hipertensão, mas para ansiedade e depressão tenho poucas”, defende a professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e consultora do Conselho Federal de Farmácia Walleri Reis. “Estamos falando de condições que vão precisar de tratamento longo, de pelo menos um ano. Quando o medicamento é muito caro, limita-se o uso, o paciente não consegue aderir e abandona o tratamento. Muitas vezes, fica constrangido e nem nos conta que não dará sequência. O tratamento do SUS não é pior, é efetivo, mas as pessoas poderiam se beneficiar de alternativas”, completa.
Em Minas Gerais, são oferecidos gratuitamente seis medicamentos contra ansiedade e depressão, em diferentes formatos. Três dos quatro antidepressivos disponibilizados na rede pública são da classe dos tricíclicos (ADT), mais antiga e conhecida por provocar efeitos colaterais — o que não quer dizer que não funcionem ou que tenham os mesmos efeitos sobre todos os pacientes. Em Belo Horizonte, a situação se repete. Em 2023, a prefeitura prevê um gasto de cerca de R$ 6,5 milhões com antidepressivos e ansiolíticos. Nacionalmente, o Ministério da Saúde disponibilizou quase R$ 884 milhões para aquisição desse tipo de remédio a Estados e municípios neste ano.