ESTRELA (RS). Quarteirões inteiros em que as casas ficaram apenas no piso, sem qualquer parede ou telhado. Em uma área em que sobraram tijolos revirados nas ruas e grades tortas, tudo ficou tomado por lama. É assim que está o bairro de Moinhos, na cidade de Estrela, no Rio Grande do Sul. Cidade-fantasma, cidade da lama, cidade em ruínas – nenhuma dessas variações é capaz de descrever corretamente o que aconteceu ali.
Esse ponto visitado pela reportagem é de casas construídas na margem do rio Taquari que, segundo regionais, foi alargado pelo volume das chuvas que chegaram já na virada de abril para maio. Do outro lado da correnteza, está a cidade de Lajeado, que também foi amplamente afetada. Roca Sales, Encantado, Colinas, Cruzeiro do Sul e Arroio do Meio são outras cidades na lista de danos incalculáveis, além de outros municípios.
A parte do bairro Moinhos próxima ao rio Taquari deve ser desabitada em Estrela. Apesar da insistência de alguns moradores que querem reconstruir por lá, a maioria não vê mais condições de habitação. A prefeitura também já sinalizou que não pretende religar a energia e abastecimento de água.
“Agora, não tem mais como sobreviver. O pessoal vai ter que dar outro jeito”, diz o pai de Irani, o também metalúrgico Sebastião Dias de Freitas, de 69 anos. “Isso não existia antigamente. Isso aqui é um desastre que deu. Nunca deu enchente que atingiu isso, que eu me lembro, em 40 anos".
“Fica tudo perdido. Tu não sabe o que faz, pra que lado tu vai, pra que lado tu segue. Fica sem rumo. Agora que a gente está começando a querer se achar de novo. Tudo errado, perdido. Não volto mais pra cá. Você já está mais de meia-idade e aí tu consegue algumas coisas e vai tudo embora de novo. Vou achar um lugar pra ir”, desabafa Irani sobre o sentimento de ver tudo o que construiu ser levado pela tragédia.
Depois de percorrer o local, Irani mostra outra rua, ainda do bairro Moinhos, onde está a casa em que morava com a mulher e os dois filhos do casal. Essa parte está coberta de lama em uma situação que dificulta identificar onde era rua, onde era moradia. Ele morava ao lado do pai, Sebastião.
“Tem louça debaixo ainda, tudo. Não deu tempo [de tirar]. Ficou tudo aí. Vocês podem olhar pra cima, tudo colchão novo que ficou aí”, conta o idoso, mostrando o colchão elevado pela água entre a parede e a estrutura que sustentava as telhas, também levadas. A casa dele, de dois andares, ficou coberta por água durante três dias. “Ali pra dentro tem coisa arrebentada. Aí tem roupeiro virado, está tudo virado aí.”
Mais próximo ao Centro, outro bairro em Estrela, a fúria da água deu pelo menos uma chance para que moradores tentassem limpar a destruição. A tentativa de buscar a normalidade, contudo, não esconde o cenário de guerra. Nas grades da casa, lixos enroscados. Sobre um telhado que resistiu, um pedaço de tronco. Em uma árvore, um engradado preso nos galhos que ficam praticamente no topo.
O que restou da parede que fica atrás do altar de uma igreja foi arrastado e a água deixou a estrutura completamente torta. “Foi a primeira vez na história que a água veio tão alta. Nós temos aqui 5,5 metros de parede, faltou um metro para encostar em cima, no telhado”, conta o pastor José Itamar Alves, de 53 anos, que comanda o local há 25 anos.
“Tudo foi embora. Nós tínhamos aqui 700 cadeiras e 150 foram embora. Mais de R$ 2 milhões [de prejuízo] só em Estrela, fora as outras igrejas na região que também pegaram água”, estimam. Do lado de fora, foi preciso fazer dois buracos no teto para escoar a água que ficou acumulada na laje. “Essa água ficou aí uns dez dias”, calcula Itamar. “Estamos aí a ver navios, somente pedindo uma providência para que Deus venha nos ajudar a reconstruir isso.”