ESTRELA (RS). Foi agarrado a uma garrafa de água de dois litros que recebeu de voluntários que o metalúrgico Sebastião Dias de Freitas, de 69 anos, guiou a reportagem de O TEMPO até onde ficava sua casa, no bairro Moinhos, em Estrela, no interior do Rio Grande do Sul. A cidade, devastada por quatro enchentes em oito meses, fica no Vale do Taquari, local em que já é possível visualizar os danos dos fortes temporais que atingiram o Estado.

Ele morava com a esposa e com a sogra de 104 anos, que precisou ser retirada de casa em um caiaque. Ao lado, seu filho, o também metalúrgico Irani de Freitas, de 43 anos, morava com a esposa e os dois filhos onde hoje só tem escombros. Apesar do histórico de catástrofes, eles contam que nunca houve uma enchente dessa proporção.

A casa de Sebastião, um sobrado, está completamente cheia de lama. Ao caminhar por dentro, o pé chega a afundar em poços formados no segundo andar. A chuva começou na virada de abril para maio e a água começou a entrar já nos primeiros dias desse mês. O que ficou, foi revirado pela força da enchente.

Ventilador, varal de roupas, panelas, cobertores, cadeiras e até um coador. Tudo parece ter se misturado à terra encharcada. “Tem louça debaixo [da lama] ainda, tudo. Não deu tempo [de tirar]. Ficou tudo aí. Vocês podem olhar pra cima, tudo colchão novo que ficou aí”, conta o idoso, mostrando o colchão que ficou pendurado no teto,  entre a parede e a estrutura que sustentava as telhas, também levadas.

A casa dele, de dois andares, ficou coberta por água durante cerca de três dias. “Ali pra dentro tem coisa arrebentada. Aí tem roupeiro virado, está tudo virado aí.”

Descendo as escadas de sua casa, do lado de fora, está a televisão, em meio à lama na calçada. Pelo local, também estão suas ferramentas de trabalho, agora inutilizáveis. "Foi tudo embora. Aqui tinha o arvoredo em que a gente plantava fruta. Destruiu tudo. Bananeira, laranjeira...”, mostra.

Já no que sobrou do terreno de um vizinho, Sebastião encontrou o rádio antigo que, segundo ele, “pesa quase 30 kg”. “Eu escutava música, escutava DVD. Música sertaneja, tostão. Olha ali o cobertor onde foi parar”, detalha, sempre vendo algo espalhado. Caminhando pelo meio de tanta destruição, ele entoa assobios, como se quisesse se distrair daquela situação.  

“[Estamos] desde 2001 pegando enchente e ninguém faz nada. Na época do Olívio Dutra (governador do Rio Grande do Sul entre 1999 e 2002) já era pra ter tirado esse pessoal, mas como entrou outro governo, trocou tudo e esqueceram”, denuncia. Natural de Três Passos, ele mora em Estrela há 40 anos.

Parte do bairro deve ser desabitada na cidade

A parte do bairro Moinhos próxima ao rio Taquari deve ser desabitada em Estrela. Apesar da insistência de alguns moradores que querem reconstruir ali, a maioria não vê mais condições de habitação. A prefeitura também já sinalizou que não pretende religar a energia ou o abastecimento de água. “Agora, não tem mais como sobreviver. O pessoal vai ter que dar outro jeito”, lamenta. É possível ver em outro ponto da cidade que a chuva varreu as paredes das casas, em uma situação que mais parece a de uma demolição. 

A região, que tem mais de 30 municípios, foi tomada pela alta do rio Taquari, que superou 33 metros no pico da cheia. A marca é a maior de uma série histórica de 150 anos. Do outro lado de Estrela, está o município de Lajeado, que também foi amplamente afetado. Roca Sales, Encantado, Colinas, Cruzeiro do Sul e Arroio do meio se juntam às outras cidades na lista de danos incalculáveis.