Avançou no Congresso o projeto de lei 2127/2019, que prevê a castração química voluntária de condenados reincidentes por crimes sexuais. De autoria do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), o texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última quarta-feira (22) e agora segue para a Câmara dos Deputados. 

Agora, o projeto será “revisado”, e, em caso positivo, seguirá para sanção do presidente da República. De acordo com o senador Styvenson Valentim, a principal motivação para a existência do projeto é “a violência constante que nossas crianças, adolescentes e mulheres sofrem”.

O projeto autoriza o condenado mais de uma vez pelos crimes de estupro, violação sexual mediante fraude ou estupro de vulnerável (menor de 14 anos), previstos no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940), a se submeter a tratamento químico hormonal de contenção da libido em hospital de custódia, desde que o preso esteja de acordo com o tratamento. 

Diferente da castração cirúrgica masculina, quando os testículos são removidos, na castração química, uma injeção mensal de um hormônio feminino – que atua sobre neurotransmissores cerebrais que controlam a produção de esperma e testosterona – pode ser usada, ou o consumo diário de uma pílula que inibe o desejo sexual.

A aceitação do tratamento pelo condenado não reduz a pena aplicada, mas possibilita que seja cumprida em liberdade condicional após a comissão médica confirmar os inícios dos efeitos do tratamento.

O advogado e especialista em ciências penais pela PUC Minas Carlos Almeida se disse “surpreso com a aprovação na CCJ” e argumenta que a Constituição é bastante clara sobre não permitir penas degradantes, que remetam à tortura ou de efeito perpétuo. “A castração química tem efeitos permanentes, de forma que o preso nunca termina de pagar sua pena. Ela fere a integridade física da pessoa”, diz. 

Questão de escolha?

Um dos principais pontos defendidos pelo senador Styvenson Valentim é o de que a castração química não é obrigatória, dando ao criminoso liberdade de escolha. “Caso o preso não queira aderir ao projeto após ⅓ de pena ele continua na cadeia, simples assim. De toda forma ele será punido, estamos dando apenas uma opção de tratamento hormonal ao condenado”, defende. 

O advogado Carlos Almeida, no entanto, questiona se realmente há liberdade de escolha em situações como essa. “No fim das contas, você dá duas opções: o preso passa por uma interrupção abrupta em seu sistema hormonal ou permanece anos em um lugar horrível onde os condenados por estupro sofrem retaliações dos outros presos. Para mim, é uma admissão do Estado de que o seu sistema de ressocialização é ineficaz”, alega. 

Eficiência em xeque

Antigo defensor da castração química, o policial militar e ex-candidato a prefeito pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB), Cabo Xavier, afirma que “a significativa redução do impulso sexual pode, sim, levar à diminuição da reincidência de crimes”. 

“Trata-se de uma medida mais ética e humana do que a castração cirúrgica e é uma oportunidade de reabilitação para quem tem esse desejo, facilitando a reintegração social. A possibilidade de reversão da castração, após comprovarmos que o indivíduo está reabilitado, certamente terá eficácia na adesão como alternativa às penas mais duras”, acredita. 

Para Bruno Pedrosa, advogado criminalista e bacharel em direito pela PUC Minas, a simples redução da libido de um criminoso não é o suficiente para combater o problema, uma vez que o estupro é “uma questão de demonstrar poder sobre o sexo oposto”. “O que se estuda cientificamente há mais de um século é que os crimes sexuais não ocorrem em razão de hormônios. É um problema com múltiplos fatores de uma sociedade patriarcal, na qual o que prevalece é o desejo de poder sobre o corpo feminino”, diz. 

Para o advogado Carlos Almeida, além das penas já existentes, o mais válido para reduzir o número de crimes no país é investir em métodos educativos e campanhas de conscientização. “Reconheço que há um alto número de crimes sexuais no país, mas é preciso prevenir, não só focar em penalização. Precisamos investir em propagandas para a população e educação nas escolas desde cedo. É fundamental ensinar que o sexo é algo íntimo e só pode acontecer com consetimento”, aponta. 

Nesse aspecto, Cabo Xavier admite que também é preciso haver outras medidas além da castração química. “Melhorias na investigação, processamento e julgamento de casos de crimes sexuais podem garantir que os criminosos sejam punidos de maneira justa e rápida. Programas educativos sobre consentimento, respeito e igualdade de gênero também podem ajudar a prevenir crimes sexuais antes que ocorram”, diz. 

Experiências em outros países

Em território norte-americano, Califórnia foi o primeiro estado a aprovar o tratamento químico hormonal para criminosos sexuais, em 1996. Flórida, Geórgia, Iowa, Luisiana, Montana, Oregon, Texas e Wisconsin também têm medida similar.

Paquistão, Polônia, República Tcheca e a província de Mendonza, na Argentina, também são exemplos de locais que adotam a castração química.

De acordo com o senador Styvenson Valentim, “os países que já adotam essa medida colhem bons resultados e o Brasil também terá sucesso caso adote a castração química.”

O advogado Bruno Pedrosa discorda e afirma que “não existem dados estatísticos que corroborem com a versão do relator do projeto. Não é algo cientificamente comprovado para diminuir o número de estupros”.