Nas redes sociais, não faltam pessoas que divulgam rifas online em troca de poucos reais ou, até mesmo, de centavos. Os prêmios são os mais variados possíveis, desde Pix até iPhones ou carros. Mas a lei permite a realização ou divulgação de rifas? A verdade é que as pessoas que faturam às custas dos seguidores estão, no mínimo, cometendo uma contravenção.
Nesta terça-feira (20), o influenciador belo-horizontino Nelio Dgrazi, com mais de 1,3 milhões de seguidores no Instagram, foi alvo de uma operação da Polícia Civil. Ele é investigado pelos crimes de promoção de rifas ilegais, lavagem de dinheiro, associação criminosa e crime contra a economia popular.
A grande questão é que as rifas são ilegais por serem consideradas jogos de azar. O artigo 52 da Lei das Contravenções Penais, em vigor desde 1941, proíbe a comercialização dessa modalidade de jogo, com pena de prisão de quatro meses a um ano, além de multa. A Lei 14.027, de 2020, que estabelece regras para sorteios de brindes, confirma essa proibição.
De acordo com o Ministério da Fazenda, "não existe autorização legal, de modo geral, para operação de sorteios com base em captação de apostas ou comercialização de números envolvidos em eventos tais como rifa, modalidade lotérica de prognósticos numéricos ou sorteio outro congênere".
Muitos “rifeiros” recorrem à plataforma Rifa Digital (RD) para realizar as vendas de bilhetes e afirmam dizer que o sorteio se baseia nos números da loteria federal. Mas como o setor não passa por uma fiscalização acirrada, não é possível dizer se o “vencedor” realmente receberá um prêmio.
O site não esclarece aos usuários de que as rifas são ilegais conforme a legislação em vigor no Brasil. A empresa, sediada nos Estados Unidos, afirma que “as leis e regras podem variar dependendo do país ou região onde a campanha será realizada, então é importante verificar as normas locais antes de organizar uma campanha”.
Procurada pela reportagem, a plataforma afirmou que “a RD realiza a oferta de um software, somente, não havendo qualquer vínculo com atividades ilegais. Ademais, aos usuários que utilizam a plataforma realizando atividades que violam os termos de uso e a legislação do seu país, recai o banimento, sem prejuízo das demais consequências cíveis e penalmente cabíveis. Por nossa parte, há o firme compromisso de zelar sempre pela legalidade e ética das nossas atividades”. Diz ainda que os usuários são alertados para a importância de se cumprir a legislação do país nos Termos de Uso da plataforma.
Aperfeiçoamento da legislação
De acordo com Alexandre Atheniense, especialista em Direito Digital, para acabar com essa contravenção que tomou conta das redes e não oferece qualquer garantia aos internautas, é preciso aperfeiçoar a legislação. “Temos que adequar ao que está acontecendo nas plataformas digitais. Pois não há exigência legal para pagamento de impostos, requisitos mínimos de segurança, tratamento de dados pessoais nessas rifas. Não há como reivindicar um direito conforme o código do consumidor. Apenas existe uma relação de confiança entre quem quer entrar na rifa e quem a está promovendo”, afirma.
Mesmo que não seja preciso realizar um cadastro para se comprar uma rifa online, as pessoas devem estar atentas a possíveis vazamentos de dados sensíveis. Toda vez em que um Pix é realizado, informações como nome completo e instituição bancária são divulgadas ao beneficiário. "Isso poderia levar a um segundo nível de golpe", diz o especialista.
Vale lembrar que as rifas são todas ilegais conforme a legislação, mas sorteios podem ser realizados, caso sigam regras determinadas por diferentes leis e portarias. De acordo com a advogada Juliana Macedo, especialista em Direito Digital, o sorteio pode ser feito, desde que tenha aprovação do Ministério da Fazenda.
“Para que o sorteio seja autorizado, ele precisa seguir todas as normas vigentes em nosso país. As principais leis que tratam disso são 13.756, de 2018, a lei 5.768, de 1971, que foi alterada pela Lei 14.027, de 2020, que trata dos sorteios por empresas de radiodifusão. As modalidades trazidas nesta lei são as mesmas para outras empresas, seja para sorteios no âmbito digital ou físico”, explica a advogada, lembrando que existe ainda a portaria 41, que regulamenta a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda.
E as leis sobre o tema não param por aí. A Portaria SEAE nº 7.638, por exemplo, regulamenta a distribuição gratuita de prêmios pela internet. O fundamental é entender que quem não segue a lei pode ser punido criminalmente. “A realização de qualquer rifa, seja online ou não, é uma contravenção penal. É considerado um crime de menor potencial ofensivo e suas penas podem variar entre multa ou prisão. Contudo é importante esclarecer que o enriquecimento ilícito pode ocasionar na existência de outros crimes, que podem ter vínculo com lavagem de dinheiro e estelionato, e podem trazer penas mais severas para os responsáveis pelas rifas”, explica Juliana, que escreveu um artigo explicando como realizar sorteios por vias legais.
Quem fiscaliza as rifas?
De acordo com o Ministério da Fazenda, atualmente o setor de fiscalização sobre loterias está a cargo da Secretaria de Reformas Econômicas, mas a pasta “não detém competência legal para se envolver em questões criminais, ressalvadas as de natureza tributária”. O trabalho de fiscalização ficaria a cargo das polícias estaduais ou dos ministérios públicos (estaduais ou federais).
O advogado Alexandre Atheniense alerta que o internauta deve ficar atento a qualquer atividade de sorteio de veículos que não sigam a legislação. Os carros sorteados em promoções de shoppings ou supermercados, por exemplo, são cadastrados junto ao Ministério da Fazenda. “Como é que uma pessoa acredita em um sorteio sem poder conferir pessoalmente quem é o responsável e se o carro realmente existe? É tudo feito muito às cegas. O problema é que as pessoas são sempre atraídas por vantagens econômicas que não existem. Quando se trata de internet, deve-se desconfiar sempre”, afirma.