As entregas com uso de drones são uma realidade com boas perspectivas no Brasil e previsão de impacto direto na redução de fluxo de veículos nas ruas. Mas existem outras utilizações da tecnologia já em prática, com ganhos diversos para o trânsito, como planejamento e fiscalização das vias. Em alguns locais, os resultados já são quantificados. Em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, por exemplo, o incremento do policiamento com a utilização dos voos autônomos gerou uma redução de 29% nos acidentes de trânsito logo no primeiro mês.
O Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) do Estado começou a usar a tecnologia aérea em abril deste ano. O risco de serem flagrados pelas câmeras dos drones aumentou a prudência dos motoristas e reduziu as colisões nas traseiras, os avanços de sinais e as conversões em locais proibidos. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostram que colisão frontal é a principal causa de morte no trânsito, sendo que 14,4% dos acidentes estão relacionados à desobediência das regras de trânsito. Só nas rodovias federais, aconteceram 1,78 milhão de acidentes nos últimos 15 anos, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT). Nesse mesmo período, entre 2009 e 2023, 101,8 mil pessoas morreram nas estradas de responsabilidade da União.
A PRF também tem usado drones para tentar frear o crescimento dessas perdas de vidas. Uma das estratégias é a Operação Temática de Diagnóstico de Pontos Críticos de Acidentalidade, apelidada de “Operação Vita”. A ação busca mapear e diagnosticar os fatores de riscos à segurança viária para planejar ações.
“O drone permite o entendimento da frota circulante, dos horários de maior fluxo de veículos e dos fatores de risco de cada local para direcionar políticas de intervenção em nome de uma mobilidade segura”, afirma o diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra.
Em casos de acidentes, os dispositivos também podem ser cruciais para salvar vidas. O major Thiago Miranda, do Corpo de Bombeiros de Minas, explica que, antes de a equipe de resgate chegar ao local, as primeiras orientações de manejo das vítimas podem ser dadas por meio do alto-falante presente nos equipamentos. Além disso, os drones podem ajudar no mapeamento do quadro na cena das tragédias para que sejam deslocadas equipes e equipamentos na medida do necessário. Uma forma de garantir efetividade no trabalho de salvamento dos feridos.
Em Belo Horizonte e em Contagem, na região metropolitana de BH, a tecnologia é usada no planejamento do trânsito. “A ideia é que o equipamento faça voos nos horários de pico para acompanhar o tráfego”, diz a Autarquia de Trânsito e Transportes de Contagem (Transcon). A BHTrans, responsável pelo trânsito na capital, usa os equipamentos em coleta de dados para planejar e monitorar o trânsito. “A utilização de drones permite uma resposta rápida a situações emergenciais e contribui para uma gestão proativa do tráfego na cidade”, diz o órgão.
“A tecnologia é interessante também em caso de acidentes. Dá para analisar a ocorrência e identificar o tamanho da equipe a ser enviada para o local, por exemplo", disse Alysson Coimbra, Diretor científico da Ammetra.
Potencial que precisa de apoio
Em 2019, a My View, empresa fornecedora de serviços e soluções em veículos remotos, virou notícia ao fazer a primeira entrega de cerveja por drone no Brasil. A bebida foi transportada e chegou com 6°C ao destino, pronta para consumo. Três meses depois, a My View voltou a ser foco com a entrega de fraldas com o veículo. Agora, o grupo tem contratos com grandes empresas privadas e públicas, como a Petrobras.
“Esbarramos um pouco na legislação de uso limitado do espaço aéreo. Para voar, um drone precisa de autorizações especiais. Então, enquanto criamos as soluções e acompanhamos o avanço disso no país, nós criamos o drone terrestre, que é um robô autônomo que faz entregas”, conta o CEO da My View, Thiago Calvet. O robô leva compras dentro de condomínios, em várias cidades, inclusive em Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, foi criada uma área de uso como teste. “Os Estados Unidos têm mais de 20 mil robôs fazendo entregas nas ruas. Aqui, a gente está abrindo o mercado. Daqui a uns dois anos, drones aéreos e robôs terrestres estarão no nosso dia a dia”, projeta.
Falta também apoio financeiro, segundo o fundador e CEO da Speedbird Aero, Manoel Coelho. “Estamos focados em dialogar com o governo para que as regras sejam criadas pela segurança. Precisamos agora de investimento governamental na área para crescermos”, analisa.
No comércio, drones trazem melhor experiência para clientes
Para o setor de comércio, toda inovação que traz melhor experiência para o cliente e menor custo para os empresários é vista com bons olhos. De acordo com Marco Antônio Gaspar, vice-presidente para Promoção de Negócios da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), os comerciantes têm a expectativa de que, no futuro, consigam atender a lugares de difícil acesso com o uso de drones.
Para ele, há diferentes possibilidades sendo experimentadas no mundo, mas no Brasil o modelo que deve prevalecer é o de drones fazerem transporte entre pontos fixos, enquanto entregadores completam o trajeto logístico entre a empresa e o cliente final. Motociclistas ou ciclistas ficarão responsáveis por trechos bem menores.
Reduzir os trajetos de motociclistas pode ser uma solução para um problema crônico brasileiro: o alto índice de acidentes sob duas rodas. Somente no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, referência para traumas em Belo Horizonte, foram 3.521 pacientes que haviam sofrido trauma enquanto estavam em motocicletas entre 1º de janeiro e 30 de junho deste ano. Uma alta de 31% ao que foi registrado no mesmo período no ano passado.
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2023, 1,2 milhão de pessoas foram internadas por causa de acidentes com motos em todo o país.
Na última edição da campanha Ande Seguro (2023) da CDL-BH, a entidade verificou que mais de 72% dos motociclistas da capital mineira nunca haviam realizado um curso de pilotagem defensiva e quase metade (44,4%) já se acidentou, pelo menos, uma vez.
“A CDL faz esse trabalho de conscientização sobre segurança porque os motociclistas são nossos parceiros de todo o dia. Se começarmos a ter um trânsito livre para drones e o entregador ficar apenas com a parte final, ele poderia ficar livre de pontos mais perigosos. ele não precisaria ter riscos para atravessar lugares de menor segurança”, opina Gaspar.
Para que o uso de drones em entregas seja eficiente no Brasil, Gaspar espera que haja uma atualização da legislação - como, por exemplo, aumentar o peso possível de carregamento para um drone.
“No Brasil, é obrigatório ter um controlador com visão constante do drone, enquanto em outros países você pode programar o uso. Essa é uma das regulamentações que podem mudar”, diz.