Imagens da câmera acoplada ao colete de um policial militar mostram quando os agentes atiram e matam um suspeito rendido, durante uma ação na semana passada na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Por causa da ação, considerada ilegal pela própria corporação, dois PMs foram presos.

As imagens, divulgadas inicialmente pela Globo, mostram que Igor Oliveira de Moraes Santos, 24, foi alvo de disparos duas vezes. A primeira, quando estava agachado com os braços erguidos atrás de uma cama. Na segunda, quando se levanta, com a mão direita erguida - do lado esquerdo do seu peito há uma marca de sangue. Nesse momento ele é atingido por mais disparos.

A imagem mostra que ao menos quatro policiais militares da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) vistoriam casas da comunidade. A gravação, iniciada às 15h43 da última quarta-feira (10), tem cerca de dois minutos de duração.

Um dos policiais, imediatamente à frente do agente que estava com a câmera ligada, abre a porta de um dos imóveis. Ele olha para o interior, deixa a porta aberta, e segue atrás do outro PM, quando o agente com o equipamento de vídeo pede para segurar.

O PM que havia aberto a porta, então, volta para o interior do imóvel. Com uma lanterna ele vai até um cômodo. O agente com a câmera, com uma pistola na mão direita, caminha pela sala e chega a olhar atrás do sofá, além de outros espaços da casa.

Na sequência, eles sobem uma escada. No andar de cima, o policial à frente do PM com a câmera aponta com uma arma para dentro do quarto onde estão dois homens. Os agentes atiram contra o interior do cômodo. Igor, antes dos disparos, aparece encostado na parede com as mãos atrás da cabeça. Após os tiros, ele se abaixa. Há som de gritos e um dos policias militares pede para "largar a arma".

Igor aparece agachado atrás da cama e levanta o braço direito. Um dos agentes pergunta se ele tem antecedentes, o que ele nega com a cabeça, e pede para ele se levantar. Quando Igor faz isso, é baleado pelo PM com a câmera e pelo outro, com arma longa. Um dos tiros acerta o lado do suspeito, próximo à barriga.

Há um barulho de equipamento eletrônico e o PM que gravou a imagens repete "as cop [câmeras operacionais portáteis]". A imagem mostra a seguir uma parede. É possível ouvir gritos e mais dois disparos e ordens para os suspeitos "que não estiverem armados" deitarem no chão. Ao todo, é possível ouvir seis tiros durante a gravação.

Os dois policiais presos pela ação foram identificados como Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima. A reportagem não conseguiu localizar suas defesas. No momento em que foi atingido, Igor estava na casa em que ele e outros três suspeitos haviam entrado para fugir da perseguição policial que começou em uma praça próxima.

Um dos policiais omitiu a rendição e afirmou em boletim de ocorrência que o homem sacou a arma que carregava na cintura e que, por isso, efetuou os disparos. Na última sexta-feira (11), o chefe da comunicação da Polícia Militar de São Paulo, coronel Emerson Massera, afirmou que mortes de vítimas desarmadas e rendidas por policiais não ocorrem por falta de treinamento. Ele disse que PMs têm consciência de que mortes nessas circunstâncias são ilegais. Massera comentava a prisão em flagrante dos dois policiais pela morte de Igor.

"Os policiais que cometeram erros sabiam que estavam cometendo erros e optaram por isso", disse o coronel, ressaltando que os militares recebem treinamento não apenas na academia de polícia mas ao longo de toda a carreira. "A falta de treinamento não pode ser alegada para o cometimento de algumas ações que são dolosas [com intenção]."

A morte desencadeou uma onda de protestos e vandalismo na comunidade durante a noite de quinta-feira. Moradores atearam fogo em pneus e pedaços de madeira, viraram carros e fecharam algumas ruas do local. O tumulto foi sucedido de nova operação em que mais um homem foi morto e um agente da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM) ficou ferido.

Na sexta, o chefe da comunicação da PM ressaltou que as imagens que mostraram a morte do suspeito quando já estava rendido foram captadas pelos novos modelos de câmeras corporais, e que elas foram acionadas automaticamente -via tecnologia bluetooth- após um dos policiais ligar seu próprio equipamento.

As câmeras têm uma função que aciona todos os equipamentos num raio de 20 metros quando o botão de uma delas é ligada manualmente. Igor já tinha sido internado na Fundação Casa quando era menor de 18 anos por atos infracionais análogos a roubo e tráfico de drogas. A corporação disse que os outros três suspeitos também tinham antecedentes criminais por infrações como roubo, tráfico de drogas e furto.

Os dois policiais presos foram indiciados por suspeita de homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar. O Ministério Público de São Paulo disse que no último sábado (12) requereu, por intermédio dos promotores de Justiça Everton Zanella e Pedro Henrique Pavanelli Lima, a conversão da prisão em flagrante dos policiais militares em preventiva (sem prazo).

Segundo a Secretaria da Segurança Pública, o caso está sendo investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). "A equipe já recebeu as imagens das câmeras operacionais, utilizadas pelos policiais militares envolvidos na ocorrência, que estão sendo analisadas para contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz trecho da nota da pasta.

Outros dois PMs também foram indiciados, por apresentarem versões incompatíveis com as imagens registradas. As prisões e os indiciamentos foram realizados pela Polícia Judiciária Militar, responsável pelo acesso imediato às gravações das câmeras operacionais portáteis, no âmbito do IPM (Inquérito Policial Militar) instaurado paralelamente à investigação conduzida pela Polícia Civil.