A Câmara dos Deputados aprovou, nesta semana, o projeto de lei geral do licenciamento ambiental que pretende mudar as regras de controle sobre grandes empreendimentos no país. A medida vem sendo alvo de críticas de ambientalistas, que afirmam que trata-se do maior retrocesso ambiental do país nas últimas quatro décadas. Por outro lado, o setor produtivo vem exaltando as mudanças como um avanço necessário para o crescimento do país. 

Diante da polêmica do caso, a reportagem de O TEMPO ouviu especialistas em meio ambiente sobre quais seriam os principais retrocessos do PL 2.159/2021, que teve como relator o deputado federal Zé Vítor (PL), parlamentar que faz parte da chamada "Bancada Ruralista" da Câmara. O texto-base do PL — que tramitava há mais de 20 anos — foi aprovado com 300 votos a favor e 118 contrários e, agora, segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Entre as várias mudanças trazidas pelo projeto, ele cria um novo tipo de licenciamento — o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC) — que permite ao empreendedor autodeclarar o cumprimento das regras, sem necessidade de análise técnica prévia por parte dos órgãos ambientais. A modalidade poderá ser usada até mesmo por atividades classificadas como de médio impacto ambiental.

Após algumas das emendas apresentadas pelos senadores, o texto final da lei prevê que o licenciamento ambiental simplificado pode ser aplicado “a atividade ou o empreendimento qualificado, simultaneamente, como de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor”.

Para se ter ideia, se a nova legislação estivesse em vigor em 2019, estruturas do mesmo porte da barragem da Vale em Brumadinho — cujo rompimento matou 272 pessoas — poderiam ter o licenciamento ambiental simplificado. Apesar de ter sido classificada com um dano potencial associado "Alto", o que impediria o uso da LAC, a barragem B1, que se rompeu em Brumadinho em 2019, tinha tamanho considerado médio. Ou seja, empreendimentos do tamanho da B1 e que tivessem o potencial associado "Médio" ou "Baixo" poderiam ser licenciados sem a necessidade de supervisão.

A ambientalista Jeanine Oliveira, do Projeto Manuelzão, explica que o licenciamento ambiental foi um instrumento de política ambiental criado em 1981 para ser um processo capaz de tratar sobre a "interdisciplinaridade" do tema ao analisar a viabilidade de um grande empreendimento. "Temos licenciamentos municipais, estaduais e até federais, dependendo do porte do empreendimento. Em alguns casos, é preciso abordar na pauta a questão da água, da terra, das plantas, dos bichos, do patrimônio histórico", explica. 

Segundo ela, a retirada da obrigatoriedade desse processo representa um grave risco à segurança e à proteção da natureza. “O licenciamento era a metodologia inventada para tratar todas essas questões com nível de profundidade e diversidade necessários. Se eu retiro um licenciamento, que precisa da estrutura do Estado, e passo toda essa questão para a mão do próprio empreendedor, qual é a segurança que eu tenho da veracidade dos dados? Nenhuma! Vai ficar um jogo de empurra e empurra pior do que o que já existe”, argumenta a ambientalista.

Para cientista socioambiental, projeto é problemático "como um todo"

Também ouvido pela reportagem de O TEMPO, o advogado e cientista socioambiental Vinicius Papatella Padovani aponta que o problema não está apenas em pontos específicos do projeto, mas em toda a sua estrutura. "O projeto aprovado possui dezenas de problemas. Um dos principais está no afastamento da finalidade primordial dos licenciamentos, que é avaliar os impactos. Outro problema grave é a ausência de uma norma geral clara, técnica e abrangente sobre os critérios e procedimentos do licenciamento ambiental simplificado. Em vez de estabelecer regras objetivas e uniformes, o texto cria uma série de regimes de dispensa e de não-exigência, tanto da avaliação ambiental quanto do próprio licenciamento, para atividades que sabidamente possuem potencial degradador do meio ambiente", argumenta. 

Segundo ele, o projeto representa um "completo cenário de desregulação" e fé excessiva na autodeclaração dos empreendedores. Para o especialista, o texto fere diversos dispositivos da Constituição, como os artigos 225 (meio ambiente), 170 (ordem econômica) e 24 (competência legislativa concorrente).

"O que estamos vendo é uma ofensiva para desmontar a política socioambiental do país. Além desse ataque ao licenciamento, é preciso destacar os ataques sistemáticos ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC); às políticas voltadas aos povos e comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas; bem como à proteção das cavidades e cavernas. Tudo isso está sofrendo ataques diários no Congresso Nacional e não podemos desviar a nossa atenção", completou Padovani.

Para Jeanine Oliveira, outro ponto crítico do PL é o fato do texto considerar a agropecuária como uma atividade de baixo impacto ambiental. "O Cerrado foi praticamente todo devastado em algumas regiões por conta do pisoteamento por gado. É muito absurdo isso", critica. 

De acordo com o relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que analisa dados de 1970 a 2023, o setor agropecuário foi o segundo principal emissor, com 631 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (Mt CO₂ eq), ficando atrás apenas das mudanças de uso da terra, com 1,062 bilhão de toneladas de CO₂. 

Dentro do agro, o levantamento considerou principalmente as emissões por meio da fermentação entérica, ou o popular "arroto" dos gados. Entretanto, quando se pensa que o principal motivador das mudanças de uso da terra corresponde majoritariamente às emissões por desmatamento e outras mudanças para produção agropecuária, o setor passa a ser responsável por praticamente 74% de toda a poluição climática brasileira. 

"Segundo dados recentes do consórcio MapBiomas, 90% da área desmatada na Amazônia brasileira nos últimos 39 anos teve como primeiro uso a pastagem, que ocupava 77% da área desmatada em 2020. A expansão da área de pasto foi de 363% desde 1985", detalha o relatório do SEEG. 

Confira algumas das emendas do PL alvo de críticas:

  • Emenda 2: substitui "sustentabilidade ambiental" por "desenvolvimento sustentável";
  • Emenda 5: rejeita obrigatoriedade de responsabilidade técnica com registro profissional nos licenciamentos;
  • Emenda 13: inclui atividades de abastecimento de água no LAC, mesmo com potencial poluidor;
  • Emenda 15: dispensa a exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em obras de infraestrutura;
  • Emenda 18: amplia uso do LAC para atividades como extração de argila e areia;
  • Emenda 20: exclui órgãos como MPF, Incra e Iphan do licenciamento;
  • Emenda 28: afeta a Lei da Mata Atlântica, facilitando a supressão de vegetação nativa;