Muito provavelmente você já ouviu alguém reclamando de uma avó ou um avô "teimoso". Pode ser alguma idosa que caiu, porque não aceitou o auxílio de uma bengala, ou de um senhor que insiste em dirigir, mesmo não enxergando bem. O que muitos chamam de teimosia, porém, pode ter traços mais profundos e merece atenção de todos da família.
Neste sábado (26/7), em que é comemorado o Dia dos Avós, a médica oncologista e pós-graduada em geriatra da Fundação São Francisco Xavier, Luciana Lana, explica que o comportamento visto como teimosia é frequentemente uma forma de resistência à perda da autonomia.
“É muito comum ouvirmos no consultório que o idoso está agressivo, não aceita ajuda, não quer mudar certos hábitos. Mas o que está por trás disso é o medo de perder o controle sobre a própria vida. Ele não quer que decidam tudo por ele: o que vai comer, onde vai morar, se vai ou não parar de dirigir. Isso tudo, quando imposto, gera frustração, tristeza e, muitas vezes, reações duras”, explica.
Ela também reforça que, em muitos casos, esse comportamento não é uma novidade na velhice. “Às vezes, a pessoa sempre teve personalidade forte, foi quem guiou a família. E, de repente, esperam que ela se torne submissa, dócil, apenas porque envelheceu. Isso não é justo. O idoso não deixa de ser quem é só porque os anos passaram”, pontua.
Confira algumas dicas da especialista para melhorar a convivência:
Consulte o idoso antes de tomar decisões importantes
Muitas famílias, por medo ou pressa, tomam atitudes como retirar a chave do carro, contratar um cuidador ou decidir a mudança de casa sem consultar o idoso. Isso pode parecer proteção, mas, na prática, é uma forma de exclusão.
"Se ele é lúcido, se não apresenta sinais de demência, ele precisa participar dessas decisões. Diálogo, empatia e escuta são fundamentais para manter o vínculo afetivo e preservar a dignidade”, orienta Luciana.
Dê valor aos idosos
A médica lembra ainda que é preciso considerar o contexto emocional e afetivo do idoso, que nem sempre encontra na família o espaço que merece.
“Na cultura ocidental, infelizmente, o idoso ainda é visto por muitos como alguém ultrapassado, que deve ser deixado de lado. Já no Oriente, ele é respeitado como fonte de sabedoria e consultado nas decisões da família. Isso faz toda a diferença. Aqui, perdemos muito ao ignorar a vivência, a experiência e o conhecimento acumulado por essas pessoas”, destaca.
Estimule a convivência entre idosos e jovens
O convívio com as gerações mais jovens, especialmente com os netos, é um dos caminhos mais eficazes para manter o idoso ativo e emocionalmente saudável.
“A troca com os netos é poderosa. O avô que é chamado para ensinar uma receita, opinar na educação do neto ou aprender a usar um aplicativo sente que ainda é necessário. Ele se sente parte do mundo atual. Isso fortalece os vínculos, melhora a autoestima e torna o envelhecer mais leve”, afirma.
Preste atenção a problemas mais sérios
De acordo com a profissional, em casos em que o comportamento do idoso muda bruscamente, quando ele começa a se perder em lugares familiares, esquece compromissos, não reconhece pessoas ou apresenta alterações de humor fora do habitual, é preciso buscar ajuda profissional.
“Pode não ser apenas resistência. Pode ser o início de um quadro de demência ou outra alteração cognitiva. Nesses casos, a avaliação médica é indispensável para identificar o problema e começar o acompanhamento adequado”, alerta.
Número de idosos vai crescer no país
Segundo a especialista, os cuidados com os idosos são fundamentais em um país que envelhece cada vez mais. De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil já soma mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa cerca de 15% da população.
A projeção é que, até 2030, o número de idosos ultrapasse o de crianças e adolescentes de até 14 anos. Em 2050, um em cada três brasileiros será idoso. O retrato do país está mudando — e, com ele, a forma de encarar o envelhecimento também precisa mudar.
Para além dos cuidados com a saúde física e mental, Luciana defende que o afeto seja reconhecido como um pilar essencial do envelhecimento saudável.
“Autonomia, independência e afeto. São essas as três bases de um envelhecimento digno e feliz. O idoso que deu certo é aquele que continua decidindo sobre a própria vida, que consegue se movimentar com liberdade e que está cercado de amor, seja da família, do cônjuge, dos amigos ou dos netos”, reflete.