A região Norte teve um crescimento de 92% nas apreensões de cocaína num período de 11 anos, partindo de um patamar de 5,4 toneladas em 2013 e chegando a 10,4 toneladas no ano passado. Foi um aumento acima da média do Brasil, que viu uma alta de 72% nas apreensões da droga no período.

Já as 15,2 toneladas de maconha apreendidas em 2024 na região foram 66 vezes os 229 kg apreendidos em 2013 (um aumento de 6.530%), enquanto a média nacional dobrou no mesmo intervalo, mostram dados do 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O levantamento considera as apreensões segundo a Polícia Federal. A força pode contar dados também de instituições estaduais, segundo o documento produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para especialistas, o Norte do Brasil --principalmente Amazonas e Pará-- virou o principal caminho para a cocaína produzida na Colômbia e no Peru ir para a Europa. A chamada rota do Solimões oferece aos traficantes uma via fluvial, mais segura e eficaz, ainda carente de estrutura de fiscalização.

Durante esse período de 11 anos houve também com aumento dos índices de violência e de investigações sobre outros crimes, como garimpo ilegal e lavagem de dinheiro, na região.

Para especialistas, são sinais de convergência de modalidades criminosas, e de que o lucro do tráfico de drogas está financiando outras atividades ilegais e sendo lavado na própria região Norte.

Em 2023, por exemplo, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) encaminhou 3.615 relatórios de inteligência financeira para autoridades dos estados que compõem a Amazônia Legal --formada por toda a região Norte, além de Mato Grosso e Maranhão. É mais do que o triplo de relatórios em relação ao que foi produzido em 2016, apontou outro estudo do Fórum, Cartografias da Violência na Amazônia.

Os relatórios só são encaminhados quando o Coaf identifica indícios de lavagem de dinheiro ou qualquer outro crime. O estudo apontou também que, nesse período, a quantidade deste tipo de documento que foi enviada a estados da Amazônia Legal cresceu 300%, ritmo muito maior do que no restante do país, que teve alta de 77%.

Os dados do órgão mostram que a relação entre o lucro do tráfico de drogas e as suspeitas de lavagem de dinheiro cresceu ao longo dos anos.

Desde 2021, o tráfico de drogas é o principal tema tratado nas comunicações eletrônicas entre o órgão de inteligência financeira e outras autoridades (antes, eram suspeitas de corrupção).

Para o professor Aiala Couto, pesquisador da Universidade do Estado do Pará e do Fórum, o aumento do tráfico de drogas e da atividade criminosa organizada na região amazônica trouxe diversos tipos de violência às comunidades locais. Mesmo com uma redução de 2,9% das mortes intencionais violentas no Norte do país em 2024 na comparação com 2023, ele pondera que os índices ainda estão acima da média nacional e caíram em ritmo menor.

"Existe um emaranhado de conflitos, das milícias ligadas a latifúndios, grilagem, seguranças de mineradoras, conflitos agrários de maneira geral, até chegar nas facções criminosas", diz Couto.

"A disputa pelo controle da rota [do tráfico] chega, também, na zona rural. Antes falávamos apenas da violência urbana, mas não é mais assim. Há grupos que consolidaram o controle sobre o território e isso diminui as mortes violentas intencionais, mas aumenta a violência simbólica, as ameaças, o assédio. As comunidades estão acuadas."

O Norte é hoje a segunda região mais violenta do país, atrás apenas do Nordeste, que vive uma guerra entre facções.

Couto também afirma que o aumento da circulação de drogas e das investigações de lavagem de dinheiro na região estão conectados. "Em Belém e Manaus, há apartamentos de luxo que são comprados e não são ocupados, cujos compradores que normalmente não são daqui. O setor imobiliário é uma das áreas de lavagem."

"Os crimes financeiros aumentam aqui porque a região amazônica é um espaço propenso para a lavagem de dinheiro, mas não só. Há expansão de outras atividades ilegais, que se misturam com o que é legal, como o contrabando de madeira e o garimpo, pois há áreas ilegais e legalizadas"

O estudo Cartografias da Violência na Amazônia apontou também a presença de 22 facções em 178 municípios em 2023. "Os municípios onde há presença de apenas uma facção criminosa somam 176, sendo que 130 são dominados pelo CV [Comando Vermelho], 28 pelo PCC [Primeiro Comando da Capital] e os demais por grupos menores", diz o estudo.

Para enfrentar ao menos o problema da passagem de drogas pelo estado, segundo o pesquisador César Mello, associado do Fórum, as forças estaduais precisam de mais investimento do governo federal, especialmente no Amazonas.

O aumento da massa de droga apreendida indica também outro problema: cada força conta a sua apreensão, o que pode gerar duplicidade nos cálculos. Se uma ação estadual conta com informações da PF, esse número pode ser contado mais de uma vez.

"Há um esforço grande para enfrentamento. O Amazonas foi responsável por quase 60% de toda a apreensão de droga na região Norte. Mas é muito caro para o estado fazer esse enfrentamento."

Segundo Mello, o governo do Amazonas gasta R$ 7 milhões por mês para manter cinco bases fluviais de policiamento, mas "não em um Tietê", ele afirma. "No ponto mais largo do [rio] Amazonas são 11 km de largura, imagine à noite."

Parte da solução contaria com as Forças Armadas, que teriam capacidade de efetivo e logística para auxiliar polícias estaduais e manter um policiamento contínuo nas regiões de fronteira e ao longo do rio.

"O Amazonas todo tem 6.400 quilômetros de extensão, desde Tabatinga até o [oceano] Atlântico. Vamos supor que você é um traficante e está num barco carregado de droga saindo de Tabatinga e quer chegar ao Atlântico, lá em Macapá [AP]. Se você tiver muito azar, vai passar na frente de dois postos de controle."

O apoio a forças estaduais, segundo Mello, ajudaria na etapa da fiscalização fluvial especialmente na tríplice fronteira de Tabatinga com Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa de Yavari, no Peru, que exige tipos específicos de equipamentos, como lanchas blindadas e avião anfíbio.

"Não adianta mandar helicóptero, porque você chega a Tabatinga e fica sem combustível. Não há onde abastecer", diz Mello, que também a coronel na PM do Pará.

Para além da lavagem de dinheiro, segundo Mello, estados do Norte também têm tentado combater o domínio de outras atividades econômicas, como ocorre em locais do Rio de Janeiro, por exemplo, com o controle de comércio e de serviços.

Esse pode ser um dos motivos para a região, apesar do aumento na apreensão de drogas, registrar índices de violência abaixo dos verificados em estados do Nordeste. "Há seis meses, no Ceará, houve um surto de cabos de internet quebrados e de fiações arrancadas. Isso é uma cópia do modelo de negócio que funcionou no Rio de Janeiro e eles começaram a fazer no Nordeste."

"Sou coronel da Polícia Militar do Pará, então eu conheço o sistema de segurança pública do Pará, e estou pesquisando aqui no Amazonas. Os dois estados perceberam essa movimentação no Rio de Janeiro e se esforçam muito para não deixar acontecer o que aconteceu lá", afirma Mello.

O Ministério da Defesa informou que mantem a Operação Ágata "ação contínua das Forças Armadas, em colaboração com órgãos de segurança e fiscalização, para combater crimes transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira do Brasil."

De acordo com o ministério, a operação visa fortalecer a presença do Estado, proteger o meio ambiente e garantir a segurança e o bem-estar das populações locais".

Procurado para comentar, o Governo do Amazonas não respondeu até o fechamento deste texto.