A investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que levou à prisão do dono da rede de farmácias Ultrafarma, Sidney Oliveira, e do diretor estatutário do grupo Fast Shop, Mario Otávio Gomes, traz denúncias de pagamento de propina para antecipar e garantir a liberação de créditos de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas do setor de varejo. O esquema de corrupção teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em propina, segundo a promotoria.
Apontado como principal operador do esquema e alvo de prisão temporária, o supervisor da diretoria de fiscalização da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), Artur Gomes da Silva Neto, seria o responsável por fazer e aprovar pedidos de créditos.
A Fast Shop informa que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação e colabora com o fornecimento de informações às autoridades competentes. A Ultrafarma e as defesas dos investigados, incluindo a do auditor fiscal Artur Neto, foram procuradas pela reportagem, mas não houve manifestação até a publicação deste texto.
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A seguir, entenda seis pontos sobre a operação, segundo informações do Ministério Público.
1. Empresa envolvida estaria registrada em nome da mãe aposentada do auditor fiscal
O ponto de partida da investigação foi a evolução patrimonial da empresa Smart Tax, que está registrada em nome da mãe de Artur Neto, professora de 73 anos aposentada da rede pública. O auditor teria ajudado a fundar a companhia, mas saiu do quadro societário em 2013. O contador da Smart Tax também está sendo investigado.
Em 2021, segundo relatório da investigação, a empresa passou a ter como um de seus objetos a "prestação de serviços especializados em consultoria, assessoria e auditoria tributária".
Pouco mais de um ano depois, de acordo com o documento, o capital social da entidade passou de R$ 50 mil para R$ 500 mil, integralizados por meio de saldo da conta de lucros acumulados.
O MP-SP considera a Smart Tax uma empresa de fachada, pois não tinha funcionários e era formalmente representada pela mãe do fiscal, que não possui experiência técnica para prestar serviços tributários.
2. Mãe de auditor teria declarado patrimônio de R$ 2 bilhões no Imposto de Renda
Em 2021, ainda segundo o relatório, a mãe do auditor fiscal declarou um patrimônio de cerca de R$ 411 mil no Imposto de Renda. No ano seguinte, o valor passou para R$ 46 milhões. Em 2023, o patrimônio declarado seria de R$ 2 bilhões.
Na declaração, consta na investigação que o aumento patrimonial teria decorrido da compra de criptomoedas (nos valores de R$ 25 milhões e R$ 15 milhões), adquiridas por meio de valores obtidos via distribuição de lucros da Smart Tax.
A investigação observou que a mulher passou a guardar, de um ano para outro, R$ 6 milhões em espécie. Segundo o promotor João Ricupero, foram verificados, em emails, que quem fazia os contatos com empresas era o próprio fiscal.
3. Análise de emails do auditor revelou conversas com a Fast Shop
Por meio de decisões judiciais, empresas de tecnologia passaram a enviar dados dos investigados. Segundo o MP-SP, a análise de emails revelou a prática dos crimes.
A análise dos emails de Artur Gomes da Silva Neto, responsável por fiscalizar a Fast Shop, teria comprovado que o auditor atuou em benefício de "inúmeros membros da alta cúpula da empresa", incluindo o diretor estatutário, Mário Otávio Gomes.
Segundo a investigação, processos administrativos eram manipulados para facilitar o recebimento de créditos de ICMS. Este mecanismo fiscal permite às empresas abaterem o imposto pago na compra de mercadorias e insumos, evitando a cobrança em cascata ao longo da cadeia produtiva.
Em troca, segundo a investigação, o auditor receberia dezenas de milhões de reais da Fast Shop. Quem assinava digitalmente os contratos entre a Smart Tax e a Fast Shop era o auditor Neto, e não sua mãe, aponta a auditoria.
4. Auditor teria recebido propina de outras empresas
A investigação aponta o envolvimento de outras grandes empresas. No caso da Ultrafarma, o relatório diz que as provas seriam "gritantes" o suficiente para incluir a empresa como investigada.
O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Roberto Bodini não quis detalhar o nome das outras empresas para não atrapalhar as investigações.
5. Fiscal e Ultrafarma teriam trocado mais de 170 emails em um ano
Com as informações fornecidas pelas empresas de tecnologia, a investigação passou a desconfiar de um esquema criminoso mais amplo.
Apenas no ano de 2024, o MP-SP constatou 174 emails na caixa de mensagens de Artur tratando de benefícios fiscais que o auditor estaria concedendo para a empresa farmacêutica.
Segundo o relatório, Neto teria o certificado digital da Ultrafarma instalado em seu computador, o que indicaria que realizaria, pessoalmente, requerimentos da empresa junto à Sefaz e assinaria contratos. A investigação identificou semelhança com os serviços prestados para a Fast Shop.
6. Polícia encontrou pacote de esmeraldas e mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo na casa de investigado
Na casa de um dos investigados, Celso Éder Gonzaga de Araújo, foram apreendidos dois sacos de pedras preciosas, incluindo esmeraldas, e cerca de R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo. A Justiça decretou a prisão do empresário e de sua esposa, acusados de colaborar na lavagem de dinheiro.