A poliomielite voltou a ser sinônimo de preocupação no Brasil após a campanha de vacinação deste ano não bater a meta na maioria das cidades brasileiras. O receio aumentou após a Secretaria de Estado de Saúde do Pará informar que investiga um caso da enfermidade em uma criança de 3 anos. Mas, na prática, como o vírus é transmitido? 

A reportagem conversou com o infectologista Geraldo Cunha Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para entender como a doença se propaga. “A poliomielite é transmitida principalmente pela via oral-fecal. É uma doença extremamente grave, que pode matar a criança ou deixá-la paralítica. Não é na maioria dos casos, mas em alguns casos. Mas, nesses casos, as chances dela (a criança) ter uma consequência grave são muito grandes”, diz. 

Portanto, a transmissão acontece quando uma pessoa consome água, ou um alimento, com coliformes fecais de uma pessoa já infectada. A solução para o problema passa, sobretudo, pela vacinação. “É importante lembrar que é uma doença para a qual já existe uma vacina já usada. Entretanto, nos últimos tempos, com esse discurso antivacina que nós vimos por parte do governo federal, muitos pais não estão vacinando seus filhos. Esse é o grande problema: a vacinação está muito baixa. É uma vacina segura, que deve ser aplicada em todas as crianças”, afirma Geraldo Cunha Cury, da UFMG.

Assim como a Covid-19, o médico lembra que há medidas além da vacinação para prevenir a transmissão da doença. Porém, ressalta que a imunização é a melhor saída sempre. “(As medidas não farmacológicas) são mais complexas para a poliomielite (em relação ao coronavírus). É preciso que todos tenham saneamento básico e que as águas ingeridas sejam tratadas, de boa qualidade. Entretanto, como a transmissão é oral-fecal, ela ocorre pelas condições sanitárias deficitárias que existem no Brasil. Mas, o que os pais têm que fazer é atualizar os cartões de vacina. Em qualquer posto de saúde, em qualquer época, basta o pai ir lá com a criança que ela vai tomar a vacina”, aconselha Geraldo.

O diretor de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica da Prefeitura de BH, Paulo Roberto Corrêa, pondera que um conjunto de fatores atrapalhou a campanha vacinal contra a poliomielite neste ano. “Muitas questões estão envolvidas nisso, como o desconhecimento de alguns pais e responsáveis sobre essas doenças, por nunca terem visto um caso de paralisia infantil, por exemplo. Também a questão das fake News e a pandemia, que afastou um pouco os pais e responsáveis de levar as crianças ao posto de saúde”, diz.

A reportagem procurou o Ministério da Saúde para que a pasta se posicione sobre as medidas adotadas para ampliar a campanha de vacinação, como as ações publicitárias com o personagem Zé Gotinha, mas ainda não recebeu um retorno. Também foi questionado o que será feito caso o Pará confirme o caso da criança de 3 anos, que ainda está em investigação. 

O caso suspeito preocupa os especialistas em infectologia. No entanto, Geraldo Cunha Cury, da UFMG, alega que há a possibilidade de que o vírus encontrado nas fezes da criança tenha relação com a vacina, não com a doença em si. “A criança do Pará, ao que tudo indica, tem uma doença que ainda está em esclarecimento. No entanto, o encontro do vírus da pólio nas fezes dessa criança que está doente pode ter relação muito mais com a vacina que ela tomou, do que com a doença. Porque a vacina é de vírus atenuado. Quando você faz o exame nas fezes, você encontra partículas do vírus. A vacina não causou nada nela. É uma doença em investigação”, completa.