O novo Plano Diretor de Belo Horizonte, sancionado pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) na última semana, deve reduzir os investimentos na construção civil na capital e transferi-los para a região metropolitana, na avaliação de representantes do setor. A expectativa agora é em relação à regulamentação da lei, que vai determinar a fórmula de cobrança da outorga onerosa, uma contrapartida que deve ser paga por empreendedores que quiserem construir mais do que a área do terreno.
Segundo o vice-presidente da área imobiliária do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Renato Michel, estudos apontam que os imóveis podem ficar até 38% mais caros na capital. “O Plano Diretor chegou em uma hora ruim, de baixa oferta de imóveis disponíveis no mercado, e, como ele dificulta o lançamento de novos empreendimentos, o estoque vai continuar caindo, e os preços, subindo”, afirma.
De acordo com ele, a cobrança da outorga onerosa vai levar os investimentos para a região metropolitana. Uma pesquisa da entidade em cinco cidades mostra que, atualmente, 35% dos lançamentos imobiliários ocorrem em Belo Horizonte, enquanto 65% estão em Contagem, Betim, Nova Lima e Santa Luzia. “A gente já percebe uma migração para a região metropolitana, e esse fenômeno vai se intensificar. Os imóveis mais caros e os mais econômicos vão sair de Belo Horizonte, que vai perder em comércio, serviços e empregos”, diz.
A presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea-MG), Fernanda Basques, acredita em uma inércia dos investimentos na cidade, até que a lei seja regulamentada e assimilada pelos empreendedores. “Além do custo do terreno, vamos pagar quase o preço do lote em outorga. O que vai ser viável construir é o imóvel mais caro, porque o preço de venda é maior. Para o pequeno construtor, fica inviável”, pontua.
Segundo a presidente da Câmara do Mercado Imobiliário e do Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/ Secovi-MG), Cássia Ximenes, o investimento em imóveis antigos pode ser uma oportunidade. “Com a outorga, a construção de novos empreendimentos em Belo Horizonte pode tornar-se inviável, e pode haver uma tendência das construtoras buscarem lotes na região metropolitana, onde o valor de venda é mais atrativo. A solução é investir na reforma dos imóveis antigos”, opina.
Coeficiente. Uma das principais metas do Plano Diretor é desenvolver a cidade para além da avenida do Contorno e incentivar o adensamento de pessoas, serviços e comércios em diferentes regiões para, assim, criar novas centralidades, de forma que as pessoas gastem menos tempo com deslocamentos. O projeto estabelece coeficiente de aproveitamento básico igual a 1, que permite construir, em metros quadrados, apenas o equivalente à área do terreno. Quem quer construir mais paga a outorga onerosa.
“Embora todo mundo tenha polemizado a outorga, a lógica é muito transparente: quem utiliza mais, adensa mais e demanda mais serviços contribui para financiar esse custo que, hoje, é pago por todo cidadão”, diz a secretária municipal de Política Urbana, Maria Caldas, ressaltando que 80% do território da capital já tem coeficiente 1.
Sustentáveis. O arquiteto, urbanista e diretor da Bloc Arquitetura Alexandre Nagazawa vê o novo Plano Diretor como um ganho para a cidade. Ele lembra que projetos sustentáveis, como aqueles com áreas permeáveis, fachadas ativas e áreas de fruição pública, ganham desconto na outorga onerosa. “Fizemos estudos de viabilidade e detectamos que, usando essas estratégias, conseguimos aumentar o potencial construtivo sem pagar, em áreas que suportam aumento de infraestrutura. Acho valoroso ter recompensas com projetos que promovam melhorias urbanas”, diz.
“Não tem como pensar no futuro da cidade sem pensar nos aspectos ambientais. O mundo todo está sofrendo com isso, as temperaturas nos grandes centros estão ficando insuportáveis, e o Plano Diretor vem para contribuir para a melhoria da qualidade de vida”, completa.
O profissional pontua a necessidade da definição de uma outorga onerosa viável e da gestão transparente dos recursos. “A atividade não vai estagnar, o empreendedor sempre se adapta”, conclui.
Plano Diretor
Entenda o que muda na construção civil de Belo Horizonte com a nova lei:
Como fica: Em um lote de 1.000 m² é possível construir os mesmos 1.000 m². Acima disso, é preciso pagar a Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) para a prefeitura.
Para construir mais do que isso, o empreendedor deve pagar a chamada “outorga onerosa do direito de construir”: uma contrapartida ao Poder Executivo em função do ônus decorrente da demanda adicional de estrutura urbana. O coeficiente máximo chega a 5 em algumas regiões da cidade.
Os recursos da outorga onerosa serão destinados a fundos de desenvolvimento das centralidades e da habitação social.
Construtoras correm para aprovar antes
O período de transição para o coeficiente básico 1 entrar em vigor tem provocado uma corrida pela aprovação de projetos, segundo a secretária municipal de Política Urbana, Maria Caldas. “O prefeito (Alexandre Kalil) autorizou o aumento da nossa equipe, que deve ter mais 60 pessoas”, afirma.
Dono da construtora Alturez, Luis Flávio Albuquerque comprou em março dois terrenos na rua Sergipe, na região Centro-Sul, para construir um prédio de 42 unidades. “Não era hora de investir, mas com a iminência do Plano Diretor, decidi comprar. O plano é ruim para mim, mas é necessário para a cidade”, pontua.
O diretor comercial e de marketing da Patrimar, Lucas Couto, diz que a empresa também busca aprovação. Ele acredita que o Plano Diretor pode provocar uma freada nos investimentos, mas que o mercado vai superar: “A demanda existe”.
Minientrevista
Maria Caldas
Secretária municipal de Política Urbana de BH
O que muda com a regra da outorga onerosa?
Haverá o coeficiente 1, que significa que todos os imóveis da cidade poderão ocupar, no máximo, a área do terreno. Essa norma entrará em vigor daqui a três anos e meio. Quando findar esse prazo, para construir uma área superior à do terreno, a pessoa terá de comprar a outorga onerosa, ou seja, ela compra da sociedade o direito de adensar, gerar mais lixo e demandar mais serviços. Hoje, 80% do território já é coeficiente 1, então, de modo geral, as pessoas não sentirão a mudança. O coeficiente 1 não significa fazer só um andar. Por exemplo, em um terreno de 360 m², é possível construir um prédio de três andares, com seis apartamentos de 60 m².
Tem havido uma corrida para a aprovação de projetos imobiliários antes da nova lei?
Na secretaria, a gente já está sentindo um grande aumento de demanda.
A que o recurso da outorga será destinado?
Irá para um fundo de centralidades, se o empreendimento estiver sendo gerado ao longo de corredores viários. No restante da cidade, todo o recurso irá para o fundo municipal de habitação, para fazer a urbanização de assentamentos precários e loteamentos clandestinos, e a produção de moradia de interesse social. (Clarisse Souza)