No último domingo, o idoso venezuelano Hector Alberto Ojeda perdeu a luta contra um câncer de estômago. Ele vivia em San Fernando, cidade fronteiriça com a Colômbia, e foi embora mais rápido do que deveria, sem ser operado, pois o remédio que precisava para reduzir os tumores antes da cirurgia está em falta na Venezuela e custa muito caro nos Estados Unidos – uma caixa do tratamento genérico saía por US$ 500, uma fortuna para um país assolado pela fome e a miséria. O valor representa algo em torno de 1,5 milhão de bolívares.

Apesar de uma campanha liderada pela jornalista e escritora Sebastiana Barraez, não houve tempo. Ele chegou a ser levado de ônibus – pois não havia ambulância – para um hospital de Caracas, a 1.000 km de sua cidade. Mas a metástase foi mais forte.

“Doentes que precisam de tratamentos prolongados parecem estar destinados a morrer sem atenção médica. Nos hospitais há um abandono progressivo, alarmante, de médicos, enfermeiras, e os que estão funcionando observam, sem poder fazer nada, a morte dos pacientes, por falta de medicamentos e condições. A situação é generalizada em todo o país”, disse ela a O TEMPO nesta segunda-feira (25).

Não bastasse o sofrimento com a morte, a família de Ojeda agora enfrenta uma via-crúcis porque não consegue enterrá-lo. Não há dinheiro para o traslado do corpo até a sua terra natal. E na Venezuela, além de alimentos e remédios, há escassez também de caixões, disse Sebastiana.

Com a falta de insumos, as indústrias reduziram drasticamente a produção, o que fez o preço subir substancialmente. Não são poucas as famílias que recorrem a urnas de papelão.

Sebastiana agora coordena uma campanha para arrecadar dinheiro para que a família possa fazer o funeral do Ojeda com dignidade. “Estamos no processo. É uma situação de muita vulnerabilidade”, disse ela, uma conhecida jornalista na Venezuela especializada em cobertura de fronteira e de conflitos militares e também correspondente de jornais no exterior.

Reportagem publicada pela “Folha de S.Paulo” em dezembro do ano passado mostrou que a população mais pobre, completamente sem dinheiro, está enterrando seus entes queridos nos quintais de casa – afinal, conseguir espaço em um cemitério também se tornou algo além das possibilidades do povo venezuelano.

“A situação é muito difícil por causa da escassez de alimentos e de remédios, somada ao gravíssimo problema da inflação, que destrói o salário no país. Temos cidades que já não têm transporte público”, relata a jornalista.

 

Venezuelanos ficam ‘presos’ na Colômbia

Cúcuta, Colômbia. Nicolasa e John Carlos dormiam na rua. Elizabeth dentro de casa, mas angustiada sem saber nada sobre seu bebê. Os três estão presos pelo fechamento da fronteira na Colômbia, aonde foram para trabalhar na tentativa fracassada de repassar ajuda à Venezuela.

Com 71 anos, Nicolasa Gil diz que não tem medo de dormir nas calçadas quentes de Cúcuta. “O que me assusta é passar para o meu país, porque estamos mais seguros aqui do que lá”, declarou à AFP.

Ela lembra com raiva a queima de um caminhão carregado de alimentos e suprimentos médicos que, depois de cruzar a parte colombiana da ponte Francisco de Paula Santander, se dirigia a Ureña, na Venezuela.

“Assim que passamos, eles nos pegaram com gás lacrimogêneo e tivemos que deixar os caminhões, e ‘os animais’ os queimaram”, conta. Desde sábado não consegue ir para sua casa no Estado venezuelano de Mérida, porque atendeu ao pedido do opositor Juan Guaidó para apoiar a passagem de ajuda.

Balanço

Pelo menos quatro pessoas morreram na área de fronteira da Venezuela com o Brasil durante tumultos intensos no fim de semana pelo bloqueio da ajuda internacional, informou a ONG Fórum Penal, que também reportou 58 feridos a bala em todo o país.

Os mortos, uma mulher e três homens, pertencem ao grupo étnico indígena Pemón, que vive no estado de Bolívar (sul). Todos foram atacados com armas de fogo em eventos envolvendo militares e grupos de civis armados relacionados ao governo, disse a ONG. O Fórum informou que na fronteira com o Brasil há nove pessoas desaparecidas.