"Todo mundo saiu e deixou Belo Horizonte pra eu cuidar”. “Dá pra andar pelado na avenida Afonso Pena que ninguém vai ver”. Por décadas essas frases davam o tom dos dias de Carnaval em Belo Horizonte, quando o movimento que se via dos foliões era o de deixar a capital com destino ao interior de Minas ou outros Estados, como Rio de Janeiro e Espírito Santo, em busca de diversão.
Mas, no final da década de 2000, pequenos blocos e o movimento que ficou conhecido como “Praia da Estação”, em protesto contra a proibição do então prefeito Marcio Lacerda (PSB) de ocupação de praças na cidade, levaram para as ruas pessoas engajadas em resistir ao decreto. Elas atraíram outros grupos, e em uma ação conjunta, a população se “apropriou” dos espaços da cidade.
Desde então, o que se viu foi um abraço coletivo e cheio de diversidade à festa, o que proporcionou seu crescimento sistemático. Em 2015, o Carnaval de BH atingiu pela primeira vez a marca de 1 milhão de foliões e chamou a atenção, atraindo nos anos seguintes pessoas de todo o país.
Dez anos depois, quando Belo Horizonte se consolida no roteiro da folia do Brasil com um Carnaval de milhões, a cidade espera arrastar 6 milhões de foliões em mais de 600 blocos para movimentar o valor recorde de R$ 1 bilhão nos 23 dias de folia, que oficialmente se encerram em 9 de março. Os números grandiosos, conforme o prefeito em exercício da capital, Álvaro Damião (União), que falou com exclusividade ao Super Notícia, se explicam pela qualidade e diversidade da festa na cidade.
“O grande diferencial do Carnaval de Belo Horizonte, e acho que aí reside o seu sucesso, como bem define o prefeito Fuad (Noman): é que é uma festa do povo, feita pelo povo. O nosso evento é destaque pela diversidade, pluralidade e inclusão e se tornou, de fato, um grande produto de turismo não só da capital, mas do Estado. Podemos dizer, sem medo de errar, que a capital mineira tem hoje um dos melhores Carnavais de rua do país”, afirma Damião.
Jornalista e pesquisador da cultura urbana em Belo Horizonte, Artênius Daniel explica que o movimento político foi essencial para o retomada da folia em BH. “Em 2009, teve três blocos no Carnaval de rua que fizeram essa brincadeira durante o Carnaval: Tico Tico Serra Copo, Bloco do Approach e Bloco do Peixoto. Esses três começaram ali uma tradição que iria ficar muito maior a partir do ano de 2010 com a Praia da Estação, que agiu em resistência contra o então prefeito”, conta.
Fred Soares, pesquisador e comentarista de Carnaval da rádio Tupi, no Rio de Janeiro, reforça que, com o passar dos anos, a capital mineira soube desenvolver um Carnaval alinhado com as novas dinâmicas culturais do país, colocando a cidade como um dos roteiros mais procurados durante a folia.
“O novo Carnaval de Belo Horizonte não tem relação com aquele que surgiu no fim dos anos 1950, quando a cidade chegou a ter um desfile de escolas de samba, influenciado pelo modelo carioca. O atual Carnaval de BH segue uma lógica diferente, mais voltada para o turismo e o mercado, alinhando-se a uma tendência observada em diversas cidades do país: a criação de grandes blocos para atrair foliões de fora”, pontua.
Blocos crescem e precisam se adaptar
No Carnaval de 2010, quando fez seu primeiro cortejo pelas ruas de BH, o Então, Brilha!, que hoje é um dos principais da folia na capital, tinha apenas dez pessoas, conta o diretor Leandro César. Mas o que se viu nos anos seguintes foi um crescimento exponencial do cortejo, que no ano passado arrastou milhares de foliões. A mudança, conforme César, exigiu profissionalização para sobreviver.
“Já em 2014, bancamos um minitrio por conta própria para dar conta de tantos foliões. Agora, todos os anos, contamos com trio elétrico. Com as necessidades de ampliação, visto que o número de foliões aumentou muito, a gente teve que ampliar também a estrutura. O Carnaval cresceu, e o bloco também respondeu a essa demanda”, conta o diretor do Então, Brilha!.
César explica que o cortejo – que, neste ano, sai às 4h do sábado (1º) de Carnaval – começa a ser preparado um ano antes, o que exige dedicação de quase 300 pessoas, sendo 215 na bateria e 35 na ala de dança. “Colocamos toda a nossa energia para que todo mundo cresça junto”, destaca.
Diferentemente do Então, Brilha!, que cresceu junto com o Carnaval de BH, o Abalô-Caxi surgiu em 2016 – um ano depois de BH atingir a marca de 1 milhão de foliões. “Em 2017 tivemos o primeiro cortejo com 10 mil pessoas; em 2018, tivemos 50 mil. Em 2024, o bloco arrastou 60 mil pessoas com trio elétrico. Lidamos com as dificuldades do crescimento de público, mas ficamos felizes de ter a nossa mensagem sendo passada para tanta gente”, conta a regente do bloco, Carol Nogueira.
O bloco conta com 250 pessoas, mas, mesmo com tanta gente, a integrante afirma que o foco do bloco é sempre manter as raízes vivas, para que o crescimento mantenha os princípios do bloco. “A gente acredita em um Carnaval inclusivo, diverso, que é algo que vem desde a nossa raiz”, conclui.
Jeitinho Mineiro
Para Artênius Daniel, um dos principais fatores que explicam o sucesso do Carnaval de BH é a mineiridade do povo. “Nós temos a fama de sermos um povo muito simpático pelo Brasil. As pessoas gostam da hospitalidade mineira, gostam da nossa característica de fazer amizade de uma maneira muito simples. Você está ali no meio da rua, conhece alguém e já fica amigo para o resto do dia ou para o resto da vida”, afirma.