Era hora do almoço, quando uma ligação mudou toda a rotina da salgadeira Juliana Luiza Santos, de 42 anos, moradora de São João del Rei, no Campo das Vertentes. No telefone, uma voz transmitiu a notícia: sua filha Maria Eduarda, de 11, havia sido levada para o hospital após ter uma convulsão. O sintoma levou os médicos a identificarem que a pequena tem câncer no cérebro, doença grave que requer tratamentos específicos ofertados apenas em Belo Horizonte. O diagnóstico fez com que o medo e a incerteza dominassem o coração da mãe. Mas os sentimentos não foram capazes de impedi-la de largar tudo - casa, família e emprego - e abdicar de suas emoções para cuidar integralmente da saúde da filha. “Ela passou mal em 2 de janeiro. Liguei para o meu serviço e expliquei para eles que tinha que vir correndo para a capital. Dois dias depois, a gente já estava na Santa Casa de BH. Com a cara e a coragem vim para enfrentar isso”, conta.
Assim como Juliana, milhares de mães abdicam todos os dias de seus cargos e funções para cuidar de filhos que necessitam de cuidados especiais, seja em função de adoecimento ou de alguma condição que exija atenção em tempo integral.Gerente de governança da Casa de Apoio Aura, que atende familiares e pacientes de zero a 17 anos em tratamento de câncer, doenças hematológicas e em processo de transplante, Cleudes Francisca de Souza conta que 95% das crianças que chegam ao local são acompanhadas por mães. “Elas têm outros filhos e mesmo assim tem que sair da cidade de origem e ir para onde o sistema de saúde indica. Temos casos de revezamento de pai e avós, mas geralmente a mãe deixa sua rotina, trabalho, família e amigos para estar 100% disponível para a rotina do hospital”, afirma.
O fato de deixar o trabalho, contudo, não as desonera de exercer funções até antes nunca praticadas. Desde que saiu do emprego, em uma fábrica de salgados, Juliana se divide durante o dia entre funções típicas de profissionais da enfermagem, psicologia, nutrição, estética e serviços gerais para cumprir seu principal cargo: ser mãe. Tudo isso com um sorriso no rosto, que esconde a dor de ver um filho doente. “Durante o dia eu sou uma guerreira, mas a noite, quando paro e penso, eu desabo um pouquinho e choro. De repente sua filha tem que passar por várias cirurgias, o mundo cai e você tem que ter força. Não sei de onde tira, só pode ser de Deus. Você não tem fome, mas você tem que comer porque é você que tem que estar ali. No começo só de falar eu chorava. Mas eu faço de tudo para não chorar perto dela”, revela.
Mãe de Maria Vitória, de 10, a técnica em enfermagem Flávia Fabiana da Silva Próspero, de 42, também largou tudo para cuidar da filha, diagnosticada com câncer de nasofaringe. “Larguei tudo, não pensei duas vezes, trabalhava em dois hospitais. O filho é da mãe, eu não tinha cabeça para trabalhar, é uma luta muito grande, envolve dor física e emocional. Dói muito ver ela doente, a gente queria poder tirar essa dor”, conta. Angústia que se soma a saudade da filha mais velha, de 17, e do marido, que ficaram em Barbacena. “Não somos fortes o tempo todo. Temos nosso momentos de fraqueza, choramos à noite e perdemos o sono. Tomo remédio para dormir, mas não funciona, é raro o dia que eu durmo bem, qualquer tosse dela eu fico preocupada. Minha vida mudou tudo, eu era independente financeiramente. Mas isso não importa, a gente deixa de lado e nem pensa. A prioridade total é ela, a gente não pensa no lado de esposa, vamos deixando. Tudo que pedimos agora é a saúde dela”, se emociona.
Flávia Fabiana, mãe de Maria Vitória e Geovana, de 10 e 17, diz amar o sorriso das filhas. Foto: Arquivo pessoal
Dificuldades que são recompensadas com o mais singelo sorriso. Gabriela Elisângela, de 31 anos, é mãe de Taynara Gabriele, de 13 anos. A menina foi diagnosticada com microcefalia e precisa de cuidado integral. Gabriela tem outros três filhos: Evelyn, de 10 anos, Davi, de 4, e Bernardo, de 2. Ela conta que a dedicação aos filhos, sobretudo à Taynara, é imensa, e o amor move todas as ações. “A gente vive por esses filhos. Há todos os cuidados médicos. A Taynara não anda, não fala, a alimentação é por sonda. Cada dia é um desafio diferente”, conta Gabriela. “Quem me dá forças é Deus e o amor que tenho por ela”, diz. Gabriela relata, porém, que a cada manhã, tudo vale a pena. “Minha alegria é acordar e ver que minha filha já está com um sorriso no rosto. Ela sempre está assim e me ensina como estar feliz”, conclui.
Apesar de todas as dificuldades e abdicações, Juliana, Flávia e Gabriela são unânimes ao revelarem seu maior desejo no Dia das Mães, comemorado neste domingo (12 de maio): a saúde dos filhos adoecidos e o fim da distância física com aqueles que não estão perto. “Dia das mãe eu pedia uma roupa ou algo assim, agora eu quero é a saúde dela, ela quer viver muito. Meu sonho é que ela consiga concretizar o que ela desenhou com a psicóloga: crescer com saúde para se tornar veterinária”, afirma Flávia.
Gabriela Elisângela é mãe de quatro filhos e conta que eles são sua força. Foto: Arquivo pessoal
Mães também precisam de cuidado
O cuidado, no entanto, também deve ser estendido às mães. A psicóloga Luana Couto ressalta que essas mães que abrem mão de tudo para cuidar dos filhos podem viver sentimentos ambíguos. Por um lado, sentem-se felizes e gratas ao verem os filhos bem cuidados. Por outro, podem sentir culpa por estarem cansadas.
“Não existe uma preparação para situações como essas. Essa mulher, assim como a família, vive um luto de alguma forma. Ela precisa lidar com as emoções e com as novas configurações da vida. As mães criam expectativas de que vão viver todas as fases do filho dentro daquilo que idealizaram, fazem previsões de quando cada uma vai começar e terminar. Quando há uma situação repentina e tudo muda, precisam lidar com isso”, diz ela.
Conforme Luana, é preciso que essas mães se permitam sentir. “Ela pode chorar porque está sobrecarregada, porque está triste, porque não esperava determinada situação para o filho. Isso não significa que ela está o rejeitando”, diz. A psicóloga afirma que é importante que essas mães procurem apoio psicológico e grupos de apoio de pais que vivem as mesmas situações que elas. “O atendimento individual é importante, mas o grupo de apoio também tem poder”, afirma.
Na Casa de Apoio Aura, no bairro Paraíso, na região Leste de BH, o atendimento psicológico é um dos apoios ofertados para mães de crianças e adolescentes adoecidos. Além disso, o local oferece assistência multidisciplinar de enfermagem 24 horas, fisioterapia, nutrição, psicopedagogia, serviço social e fonoaudiologia. O intuito é ajudar mães que passam por lá. “Por isso oferecemos uma rotina que facilita essa adaptação, temos rodas de conversas com psicólogos, temos atendimento pedagógico, psicológico, estético e oficinas de artesanato para ajudá-las”, afirma.
Sociedade patriarcal
Sociólogo e professor da Faculdade Arnaldo Janssen, Luciano dos Santos afirma que a primeira grande razão que move essas mulheres é justamente o amor pelos filhos. “Essas mães olham profundamente as necessidades dos filhos e as acolhem. Fazem renúncias em favor do amor, do cuidado, o que afeta as esperanças dessas crianças e de toda a sociedade”, diz ele.
No entanto, apesar de reconhecer o amor envolvido nessas ações, o sociólogo também lembra que as mulheres, historicamente, são levadas a ocupar esse papel de cuidado. “Há os resquícios de uma sociedade patriarcal, onde a mulher esteve sempre trabalhando em casa, cuidando dos filhos. Isso mudou ao longo do tempo, mas a mulher ainda predomina nesse tipo de papel. A participação dos homens pode ampliar, mas não é algo que vai acontecer tão rapidamente”, diz ele.
Conforme Santos, mudanças culturais levam tempo. Porém, as mulheres que renunciam tudo em nome do amor podem ser a peça-chave para uma transformação na sociedade, pelo exemplo de cuidado ao próximo. “Uma mudança cultural não ocorre em poucos anos, principalmente quando é algo que vem de séculos de uma tradição patriarcal. Mas enquanto essas mães estão fazendo essas renúncias, elas provocam os companheiros, a família, a escola, as religiões, o Estado, mostrando que todos os seres humanos precisam fazer renúncias em algumas situações para cuidar de outra vida”, diz ele.