Em Minas Gerais, mais da metade dos municípios possuem vulnerabilidade alta, muito alta ou extrema às mudanças climáticas. São 437 cidades que convivem com o risco elevado de secas, por causa do forte calor, ou de alagamentos e inundações, devido às chuvas extremas. Uma condição de vulnerabilidade que, segundo o levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), ocorre por causa do crescimento populacional desordenado, da pobreza e da degradação ambiental. Realidade que se impõe e alerta a sociedade no momento em que o país se sensibiliza com as enchentes no Rio Grande do Sul, que mataram 151 pessoas e deixaram mais de meio milhão desalojadas. 

Localizado na região do Vale do Jequitinhonha, o município de Capelinha é um dos que possuem vulnerabilidade extrema — ao todo, são 82 no Estado. Em dezembro de 2023, a cidade enfrentou uma forte seca que afetou 10 mil pessoas, ou seja, 25,23% de toda a população (39.626 habitantes). Cerca de 3,5 mil moradores só tiveram acesso à água por causa da contratação de caminhões pipa, feita pela prefeitura. "Tivemos muita dificuldade em atender algumas comunidades que ficaram desabastecidas. Estavam sem água para questões básicas", lembra a coordenadora da Defesa Civil de Capelinha, Karine Martins. 

A cerca de 500 km, em São José da Lapa, na região Central, a chuva extrema provocou inundações e alagamentos em janeiro deste ano. Foram mais de 140 mm de precipitação, o que elevou o nível do córrego Carrancas e fez a água atingir residências. "A gente nunca tinha visto nada semelhante. Foi uma chuva torrencial, por vários dias. Felizmente, não tivemos mortes", recorda o secretário municipal de Meio Ambiente, Iani Assis. O município também apresenta vulnerabilidade extrema às mudanças climáticas, conforme o estudo do Feam. 

Mapa mostra a vulnerabilidade das regiões de MG
Mapa mostra a vulnerabilidade nas regiões de MG, conforme estudo da FEAM.

Por causa destes fenômenos climáticos, Capelinha e São José da Lapa decretaram situação de emergência. Os municípios somaram danos ambientais, econômicos e sociais, algo que tem se tornado recorrente nas cidades mineiras. Na última década, entre 2013 e 2023, a quantidade de decretos de emergência por eventos como seca, estiagem, calor e chuva intensa mais que dobrou no Estado. O aumento foi de 150%, passando de 186 para 465 no período analisado. Os dados fazem parte do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, do Governo Federal. 

"Antigamente, quando tinha uma imagem de solo quebrado, a gente associava ao Nordeste. Hoje não mais. Tivemos algo semelhante em 2014, na represa de Três Marias, no Triângulo Mineiro. Esses eventos não estão mais restritos apenas a uma região", alerta a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Anete Fernandes. De acordo com a especialista, uma mudança que se acentuou a partir da década de 90. "A natureza busca o equilíbrio a todo momento. Se você tem esse aquecimento abrupto, a resposta para encontrar essa estabilidade será com esses fenômenos extremos", explica. 

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) afirma que monitora a situação de vulnerabilidade das cidades em relação aos efeitos da mudança do clima. Para tal, desenvolveu o Plano de Ação Climática de Minas Gerais (PLAC-MG), que conta com 28 ações. Essas iniciativas buscam mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar os municípios para que estes se tornem resistentes aos fenômenos extremos. O Estado, no entanto, não informa qual o valor investido em programas relacionados às mudanças climáticas. 

"É fundamental que o poder público tenha o PLAC, o clima já mudou, é uma realidade. Essa agenda climática conversa com a agenda da saúde. As cidades precisam ter mais verde e investir na preservação dessas áreas", destaca o diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luiz Fernando Pinto. Segundo ele, o desmatamento ajuda a justificar a condição de vulnerabilidade dos municípios mineiros e o aumento de decretos emergenciais na última década. "O desmatamento gera emissão de gás de efeito estufa e acentua o problema. Cortando floresta, estamos diminuindo a capacidade de resistir a esses eventos", acrescenta.

De acordo com o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD), do Mapbiomas, a média de área desmatada anualmente em Minas Gerais aumentou 90,86% entre 2019 e 2022. No primeiro ano do período analisado, a média foi de 26.434 hectares, número inferior aos 50.454 diagnosticado no último estudo realizado. "Uma chuva extrema tem menos risco quando atinge uma região mais verde. A gente precisa disso nas cidades. Essa é uma necessidade, e não uma opção", alerta o diretor da SOS Mata Atlântica. 

A Semad afirma que o Governo de Minas tem trabalhado "intensamente nos últimos anos para combater o desmatamento no Estado". No ano passado, a pasta realizou mais de 47 mil ações de fiscalização, o que representa um aumento de 24% em relação a 2022. Também foi apresentado o programa "Minas contra o desmatamento", em parceria com municípios. "Nos primeiros oito meses de 2023, houve uma redução de 62% no desmatamento da Mata Atlântica. Também houve redução de 12% na área suprimida do Cerrado", garante a Semad, em nota. 

Aumentar e preservar as áreas verdes é uma das ações previstas no Plano Local de Ação Climática (PLAC) de Belo Horizonte. A cidade faz parte de um seleto grupo de capitais no país que possuem o documento de enfrentamento e prevenção dos desastres socioambientais. Conforme o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), das 27 capitais brasileiras, incluindo o Distrito Federal, apenas 12 possuem o plano. 

 

Reorganização das cidades 

Na contramão da maior parte das capitais brasileiras, Belo Horizonte está em um seleto grupo que possui um Plano Local de Ação Climática (PLAC). Conforme o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), das 27 capitais no país, incluindo o Distrito Federal, apenas 12 possuem o plano. "As emergências climáticas são uma realidade, e exigem que essas ações sejam aceleradas", avalia o diretor de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Belo Horizonte, Dany Amaral. 

BH é uma das 12 capitais no Brasil que possuem PLAC
BH é uma das 12 capitais no Brasil que possuem PLAC

Além de aumentar e preservar as áreas verdes na cidade, o PLAC-BH tem o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 40% até 2040, índice que deve ser zerado em 2050. O Plano também prevê a adaptação da cidade aos eventos extremos, principalmente em relação a chuva. São recomendadas obras de infraestrutura, como a instalação de bacias de contenção em áreas sujeitas a enchentes.

"Quase 60% das emissões são do transporte. Nosso desafio não é diferente das outras cidades: trabalhar o transporte. É encontrar uma forma mais sustentável, e incentivar o sistema público", detalha Amaral. Segundo o responsável pela execução do programa na capital, o cuidado com o lixo também é uma das premissas. "Nós temos uma política em desenvolvimento e que deve ser implementada nos próximos anos. Mas é algo que passa também pela educação da sociedade", afirma. Segundo a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), somente nos três primeiros deste ano, mais de 170 mil toneladas de resíduos foram recolhidas na cidade. Deste total, apenas 18% são recolhidos na coleta seletiva. 

BH quer instalar pontos de refúgio do calor
Belo Horizonte quer instalar pontos para refúgio do calor

Proposta semelhante possui a cidade de Contagem, na região metropolitana. O PLAC do município está em desenvolvimento, e deve ser concluído neste ano. "Temos um diagnóstico da cidade, com as regiões mais quentes, com maior risco de inundação. Mas enquanto esse plano não é consolidado, temos feito algumas ações como a implantação de usina fotovoltaica, jardins de chuva em parques, entre outras medidas. Na cidade, o nosso grande desafio é a chuva", afirma a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Maria Thereza Camisão Mesquita.  

Ainda de acordo com a responsável pela pasta, o município possui um levantamento que permite monitorar as regiões que podem ter mais impactos com os eventos climáticos extremos. "É um estudo que nos orienta sobre como agir. Mas precisamos ter esse compromisso com os cuidados com o clima para que esses eventos, de chuva intensa ou calor extremo, sejam frequentes", finaliza.