Imagens de câmeras de segurança registraram o momento da confusão no trânsito que culminou na morte do gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, na última segunda-feira (11/8), no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte. O vídeo, obtido pela reportagem de O TEMPO, mostra o instante em que um carro BYD cinza entra na rua onde estava o caminhão da coleta seletiva de lixo em que a vítima trabalhava. Em seguida, Laudemir, já baleado, corre e cai ao chão. Ele é socorrido pelos colegas garis, mas não resiste aos disparos e morre no Hospital Santa Rita, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Veja as imagens:

As imagens estão no inquérito que apura a autoria do crime. O empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, foi preso na mesma data, como principal suspeito de matar o profissional. Ele negou a autoria e afirmou que, no dia do homicídio, saiu de casa às 8h07 e seguiu o trajeto que costuma fazer até Betim, onde trabalha. Relatou que chegou à empresa, saiu para almoçar, voltou para casa, trocou de roupa, passeou com os cães, guardou os animais e foi à academia.

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Renê responderá pelos crimes de homicídio duplamente qualificado - motivo fútil e por recurso que impossibilitou a defesa da vítima - contra o gari e de ameaça contra a motorista do caminhão de coleta de lixo. Nesta terça-feira (13/8), a Justiça decidiu por manter a prisão do empresário pela morte do gari Laudemir.

Ele passou por audiência de na Central de Audiências de Custódia (CEAC), no bairro Lagoinha, na região Leste da capital. A pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, quando não há prazo para expirar. "Nos autos em flagrante, ele teve um comportamento destemperado e agressivo", disse o promotor de Justiça do MPMG, Alderico de Carvalho Júnior.

Histórico criminal

Como informado por O TEMPO, ele foi acusado de homicídio culposo por matar uma mulher de 50 anos em um acidente de trânsito no Rio de Janeiro. O caso ocorreu em 2011, no Recreio dos Bandeirantes, um bairro nobre na Zona Oeste da capital carioca. Conforme o registro policial, o empresário dirigia em alta velocidade. A vítima chegou a ser socorrida, mas não resistiu.

Ele também tem envolvimento em crimes de lesão corporal, extorsão e perseguição, todos ocorridos no Rio de Janeiro, estado onde nasceu. Renê foi encaminhado ao juizado especial criminal por agredir uma mulher. O caso ocorreu no município carioca de Belford Roxo. A informação foi obtida pela reportagem no processo referente à morte do gari na capital mineira.

Veja o que se sabe sobre a confusão de trânsito que acabou com a morte do gari Laudemir de Souza Fernandes.

O crime

Na manhã de segunda-feira (11/8), por volta das 9h, houve uma confusão no trânsito no bairro Vista Alegre, região Oeste de Belo Horizonte. Um caminhão de coleta de lixo estava parado quando um carro BYD cinza, vindo na direção contrária, se aproximou. O motorista do carro — apontado como o suspeito — teria sacado uma arma e ameaçado a condutora do caminhão, dizendo que “iria atirar na cara” dela. Logo depois, ele teria atirado contra o gari Laudemir de Souza Fernandes, que estava trabalhando na coleta.

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O gari foi atingido na região torácica, próximo às costelas, e socorrido ao Hospital Santa Rita, em Contagem, mas não resistiu aos ferimentos. Após o disparo, o suspeito fugiu no mesmo carro BYD cinza e foi localizado pela polícia na tarde do mesmo dia, enquanto malhava em uma academia de alto padrão no bairro Estoril. Ele foi preso sem oferecer resistência. Conforme relatos das testemunhas, pouco antes de ser atingido, Laudemir teria dito: “Acertou em mim”. Testemunhas que estavam no local do crime afirmaram que o suspeito “saiu tranquilo e com semblante de bravo” após atirar na vítima.

A vítima

A vítima foi identificada como Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, gari da Localix Serviços Ambientais. Colegas e parentes o descrevem como trabalhador, pacífico e dedicado à família. Laudemir deixou esposa, uma filha de 15 anos e enteadas; segundo testemunhas e familiares, era muito querido no trabalho e em casa.

Segundo Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, Laudemir tentou apaziguar a situação durante a confusão no trânsito e acabou sendo atingido enquanto trabalhava. “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar”, afirmou Ivanildo.

Versão de Renê

Renê da Silva Nogueira Júnior, 47 anos, negou a autoria do crime durante o depoimento. Segundo ele, no dia do homicídio, saiu de casa às 8h07 e seguiu o trajeto que costuma fazer até Betim, onde trabalha. Relatou que chegou à empresa, saiu para almoçar, retornou ao trabalho, voltou para casa ao final do expediente, trocou de roupa, saiu para passear com os cães, guardou os animais e foi à academia.

A PCMG informou que as imagens de câmeras de segurança estão sendo analisadas para confrontar a rota e os horários descritos por Renê. Segundo a corporação, “tem que ser comprovado” o trajeto narrado pelo suspeito. Até o momento, Renê não passou por exames periciais.

Como a polícia chegou até Renê e o que a PCMG sabe até o momento

De acordo com o delegado Evandro Radaelli, do DHPP, a Polícia Militar capturou e identificou o suspeito, que foi levado à unidade. “Fizemos o levantamento de informações, a identificação de testemunhas e conseguimos, em fase preliminar, confirmar elementos que levaram à ratificação da prisão. Também houve identificação de imagens, calibres de arma de fogo e representação pela prisão preventiva”, afirmou. Com base nesses elementos, houve representação pela prisão preventiva do suspeito. Os investigadores também pontuaram que, durante o depoimento, o suspeito não apresentava sinais de embriaguez ou de uso de drogas. “Ele é articulado, fala bem e não havia necessidade da realização do exame toxicológico”, informou o delegado Matheus Moraes.

O delegado informou ainda que o suspeito não possuía porte de arma. A informação ainda vai ser checada pela instituição com a Polícia Federal. A investigação identificou a placa e a propriedade do veículo supostamente envolvido e colheu depoimentos de todas as testemunhas; o inquérito inclui análise de imagens e oitivas para consolidar o conjunto probatório. “Identificaram a placa do veículo e, após isso, consequentemente, a propriedade. Com isso, chegaram às informações de que ele passou pelo local [do crime]. Por meio de oitivas de testemunhas, pudemos confirmar que era um indivíduo de porte físico reconhecível e pudemos confirmar a autoria do fato”, disse o delegado Evandro Radaelli

O caso está sob investigação contínua da Polícia Civil. Renê foi autuado por homicídio duplamente qualificado e por ameaça contra a motorista do caminhão. Após os procedimentos no DHPP, ele foi encaminhado ao Ceresp Gameleira, onde aguardará audiência de custódia, marcada para esta quarta-feira (13). A esposa de Renê, a delegada Ana Paula Lamego Balbino, não sabia que o marido era suspeito de um assassinato até a prisão dele em uma academia do bairro Estoril, segundo a PCMG.

Investigação da Corregedoria e a arma

Segundo a apuração, uma pistola calibre .380 foi recolhida e entregue à Corregedoria. A delegada Ana Paula Lamego Balbino — apontada como esposa do suspeito — teve a arma pessoal entregue à Corregedoria para perícia e apuração sobre cautela e guarda do armamento. Radaelli afirmou que ainda não é possível dizer se a arma utilizada no crime pertence à delegada; essa verificação está em curso e o caso é acompanhado pela Corregedoria da Polícia Civil.

Diversos veículos noticiaram que, em depoimento, o próprio empresário afirmou que a arma pertenceria à esposa, o que motivou a instauração de procedimento pela Corregedoria para apurar eventual falha na guarda do armamento. A investigação disciplinar e o inquérito policial seguem abertos para esclarecer esse ponto.

Homenagens e velório

Familiares, amigos e colegas se reuniram na manhã de terça-feira (12/08) na Igreja Quadrangular, em Nova Contagem, para o velório de Laudemir. Em falas marcadas pela revolta e pela dor, parentes o descreveram como “uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando.” 

A enteada Jessica França, 25, disse que a família está em choque e cobrou justiça. Ela informou que Laudemir é “uma pessoa muito trabalhadora, uma pessoa honesta, muito carinhosa e protetora, que morreu trabalhando. Saiu de casa cedo, era um dia que ia chegar mais tarde, mas não voltou. Todo domingo de manhã ele fazia café da manhã, cuidava da gente.” Em coro, colegas e o patrão também pediram que o caso não fique impune.

Emocionada, a esposa do gari, Liliane França, afirmou: “O Lau não voltou. Me devolveram o Lau no caixão. Não pode ficar assim, tem que haver uma mudança, tem que haver justiça.” Ela também cobrou respeito à categoria e lembrou das dificuldades e da falta de tolerância enfrentadas pelos garis.

A mãe do gari Laudemir de Souza Fernandes passou mal durante o velório do filho. Abalada, ela foi amparada por familiares e levada a um hospital após apresentar pressão muito baixa, conforme relatou a sobrinha de Laudemir. 

Ivanildo Gualberto Lopes, sócio-proprietário da Localix, disse: “Agora vai estar nas mãos da Justiça e nós iremos acompanhar.” Ele reforçou que a categoria está sensibilizada e exigiu responsabilização: “Estamos clamando por justiça. A nossa categoria é muito forte. Então não mexa com os garis.”

Quem é o suspeito

Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, é o suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44. Ele se apresenta no LinkedIn como alguém que “transforma empresas e acelera resultados através de liderança estratégica e inovação”. Ele é marido da delegada da Polícia Civil de Minas Gerais Ana Paula Balbino Nogueira.

Segundo o perfil profissional, Renê tem 27 anos de experiência executiva no setor de alimentos e bebidas e afirma possuir “histórico comprovado de gerar crescimento exponencial e liderar transformações organizacionais complexas” no mercado brasileiro e internacional.

Ele já ocupou cargos executivos em empresas como Coca-Cola, Vigor, Red Bull e Ambev. Sua experiência mais recente começou em agosto, quando assumiu a diretoria de negócios da Fictor Alimentos. Após a prisão, a empresa informou que ele havia iniciado as atividades há menos de duas semanas, repudiou a conduta atribuída ao funcionário e manifestou solidariedade à família da vítima.

Na formação acadêmica de Renê constam estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fundação Getulio Vargas (FGV), Ibmec, Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Harvard Business School. Em seu LinkedIn, há uma recomendação escrita pela esposa, na qual ela afirma que ele é um “homem de caráter irrefutável”.

Defesa do suspeito

O advogado de Renê, Henrique Viana Pereira, foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o caso.