“A gente vivia catando papel na rua, correndo de fiscal, de polícia. Hoje, somos reconhecidos como trabalhadores”, afirma Maria das Graças Marçal, chamada de “dona Geralda”, de 74 anos. Ela exalta o papel da reciclagem, que está na vida dela desde os 8 anos. Além de beneficiar o meio ambiente, a atividade é via para a transformação e o sustento dos catadores.

De Serro, no Vale do Jequitinhonha, dona Geralda veio com os pais para BH atrás de melhores condições, mas a família não conseguiu se sustentar na capital. “Tivemos que pedir esmola, morar na rua. Minha mãe perdeu tudo, até a autoestima”, lembra.

Nessa situação, a coleta de materiais recicláveis surgiu como uma oportunidade de renda. Mas, à época, tudo era feito sem segurança e sem dignidade. “Foi por meio da Pastoral de Rua que a gente conseguiu recobrar a cidadania, a autoestima de trabalhar e até a moradia”, relata. Dessa parceria, surgiu a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável (Asmare), da qual Geralda é fundadora.

Desde 2019, a coleta seletiva em BH é feita exclusivamente por organizações e associações de catadores como a Asmare, contratadas pela prefeitura. No entanto, a relevância do papel desses trabalhadores não se reflete no investimento em estrutura de atuação, segundo o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, Raphael Tobias de Vasconcelos Barros. “Essa separação pode ser melhorada”, defende.

É responsabilidade também da sociedade apoiar o trabalho dos catadores, aderindo à coleta seletiva, observa Gilberto Chagas, membro da equipe mineira no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. “E, onde não há a coleta, (é preciso) cobrar do gestor público, porque esse é um direito do cidadão”, reforça.

Gestor do Instituto Brasileiro de Resíduos, Fabrício Soler concorda e reforça: “A baixa reciclagem reduz o potencial de geração de renda para catadores e impede a criação de empregos e o desenvolvimento de novas economias ligadas a essa cadeia”.

Falta de equipamento adequado

Contratados pela PBH, os catadores reclamam dos equipamentos disponibilizados. “(A coleta) é feita num caminhão compactador, que mistura tudo. O material já chega contaminado ao galpão para triagem ou com vidro quebrado”, explica Getúlio Andrade, da Asmare. A PBH afirma que a compressão não atrapalha a triagem nem quebra vidros. “O caminhão compactador possibilita o atendimento de uma área mais abrangente”, diz o texto.

Mercado 'é sinistro'

Desde a pandemia, quando a coleta seletiva foi interrompida, o trabalho dos catadores está mais difícil. Eles ficaram sem renda, e galpões de triagem foram fechados.

“O material reciclável teve aumento muito grande (de preço) logo após a pandemia, por causa da demanda represada. Só que depois houve queda vertiginosa. Acho que nós, catadores, vivemos hoje o pior momento da história desde a pandemia”, diz Gilberto Chagas, membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

Os trabalhadores reclamam que, com a flutuação nos valores de mercado, a desvalorização é constante. “É muito ‘sinistro’ com a gente (o mercado). Para repassar uma queda no preço é muito rápido, mas, para subir, não é o mesmo ritmo”, diz Getúlio Andrade, da Asmare de BH.

Parcerias são alternativa de renda extra para os catadores. No Carnaval de 2024, 240 trabalhadores se envolveram em uma parceria da Asmare com o Ministério Público de Minas que recolheu quase 30 toneladas de recicláveis. A associação coopera com a Minas Arena e a Arena MRV, para apanhar o material descartado em eventos. 

Lixo não!

Muitas vezes chamados de “catadores de lixo”, os trabalhadores que coletam recicláveis reforçam o estigma que essa nomeação carrega. “Ninguém cata lixo. Lixo vai para o aterro”, reforça dona Geralda, catadora.