Após suspender o uso, na rede pública de ensino, do livro “O Menino Marrom”, do premiado escritor Ziraldo, a Prefeitura de Conselheiro Lafaiete anunciou que irá promover debates sobre a obra literária, que trata da amizade entre dois meninos, um branco e outro negro. Em nota, o município disse que houve “mal-entendido” sobre a decisão.
Segundo a prefeitura, a suspensão é de “curto período”, enquanto elabora um “plano de trabalho com o propósito de promover uma abordagem pedagógica mais clara e objetiva” sobre a obra. Nesta quinta-feira (20 de junho), o município promoveu reuniões com a participação de funcionários da Secretaria Municipal de Educação.
Nesta sexta-feira (21), estão previstas ações nas unidades escolares e na comunidade. Segundo a prefeitura, entre elas, estão reuniões com diretores e analistas educacionais para orientar as equipes pedagógicas.
Na próxima semana, será feita, entre 25 de maio e 1º de junho, uma “rodada de conversa” entre professores e membros da comunidade escolar. Além disso, na segunda-feira (24), o município vai discutir, em transmissão ao vivo destinada à comunidade escolar, os aspectos abordados na obra.
O município também argumenta que “não houve solicitação para recolher os livros”, que permanecem com os alunos e suas famílias. “A qualidade das obras literárias disponíveis no acervo bibliográfico é destacada, com ênfase no compromisso com a educação de qualidade e o respeito a todos os envolvidos”, garante.
Suspensão
A prefeitura da cidade publicou uma nota oficializando a suspensão do exemplar na quarta-feira (19 de junho). O motivo, segundo a Secretaria de Educação de Lafaiete, seria a repercussão negativa do conteúdo do livro entre pais e familiares dos alunos.
“O Menino Marrom” conta a história de uma amizade entre duas crianças, uma negra e outra branca. Publicado em 1986, o livro é usado atualmente como forma de abordar o tema da diversidade racial e o enfrentamento ao preconceito entre alunos do ensino fundamental. A prefeitura de Conselheiro Lafaiete afirmou que o exemplar “aborda de forma sensível e poética” a amizade interracial. “Os personagens, apesar de suas diferenças, desenvolvem uma amizade genuína e se divertem juntos”, disse por meio de nota.
Mesmo afirmando que o livro é um recurso valioso que “facilita a compreensão de conceitos como racismo e empatia”, a Secretaria de Educação do município cedeu à repercussão negativa entre os familiares. “Lamentamos que tenha havido interpretações dúbias acerca do mesmo”, publicou o Executivo. A suspensão de “O Menino Marrom” ocorre após áudios de pais de alunos circularem nos grupos de responsáveis questionando trechos específicos da história.
Avaliação de especialista
Na avaliação do sociólogo e especialista em desigualdades raciais, João Saraiva, a suspensão da obra é uma perda para as crianças, que teriam um exemplo de autoestima negra em mãos. “‘O Menino Marrom’ é usado há muitos anos para falar de maneira leve e poética sobre as diferenças raciais. Cor de pele, formato de boca, nariz, é leve e elogioso. Uma obra que apresenta de uma forma muito positiva os traços negros e funciona para elevar a autoestima das crianças”, analisa.
Saraiva reforça que o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas é lei federal (Lei 10.639), e o livro do Ziraldo, junto de outros exemplares, como “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado, e “A bonequinha preta”, de Alaíde Lisboa, assume essa função de abordar o tema de forma leve. “Censurar nunca é o caminho certo. Se apareceram questões entre os pais, seria um momento de tratar essas dúvidas de forma consciente, e não dispensar o livro dizendo que ele é complexo, porque ele não é”, afirma.
O especialista provoca ainda uma discussão sobre os tipos de livros que se tornam alvo nas instituições de ensino. Segundo ele, algumas referências clássicas com expressões racistas, que teriam motivo para a suspensão, continuam sendo estudadas em sala de aula. “Podemos citar, por exemplo, textos de Monteiro Lobato, em que a personagem Tia Nastácia é discriminada e diminuída. Por que ele continua como material didático, mas Ziraldo é proibido? Por que um livro positivo gera tanto incômodo, mas falas raciais hiper negativas não?”, questiona.
Apesar da prefeitura dizer que tomou a decisão após pedido de pais, a proibição do uso da obra nas escolas não é comemorada por todos. Para um pai, que pediu para ter a identidade preservada, o sentimento é de “revolta”. Ele acusa a prefeitura de agir de maneira “imatura”. “Perdemos a chance de debater sobre”, diz.