O empresário Gabriel Lucas Alves, de 20 anos, jamais esquecerá o dia 20 de julho de 2019. Desde essa data, ele carrega no corpo a marca de uma tragédia: o jovem teve a perna esquerda amputada ao ser atingido por uma linha chilena quando andava pelo bairro Nossa Senhora das Graças, em Betim, na Grande BH, uma ferida que pôs fim ao sonho de ser jogador de futebol.
“Eu tinha apenas 15 anos. Foi um momento muito difícil para mim”, conta o rapaz, que conseguiu se reerguer. “Muitas pessoas me chamam para contar minha história, como eu superei. Sou inspiração para muitos”, afirma.
Nem todas as vítimas das linhas cortantes têm essa segunda chance. No último dia 23 de maio, um motociclista de 23 anos morreu após ter o pescoço atingido ao trafegar na MG–010, em Vespasiano, na Grande BH. Ele morreu antes de ser socorrido, informou a PM. Somente neste ano, outras sete pessoas ficaram feridas em Minas por causa da linha chilena ou com cerol. Os casos mais que dobraram entre 2021 e 2023, indo de 11 para 24, conforme a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
E a preocupação com esses acidentes aumenta em julho, quando o tempo está seco, os ventos são favoráveis para soltar pipas e acontece grande parte dos acidentes com linhas cortantes. Nos últimos cinco anos, foram nesse mês que aconteceram 19% dos 137 atendimentos feitos no Hospital João XXIII, em BH, de pessoas feridas gravemente em acidentes provocados no trânsito ou no manuseio do material.
“Os pacientes normalmente chegam com corte profundo na região do pescoço, podendo ter uma lesão grave na traqueia ou no esôfago, além de perda de muito sangue, o que pode levar ao óbito. Há casos de cortes profundos em algum membro, o que pode levar à amputação”, relata Rodrigo Muzzi, gerente médico adulto do hospital, unidade referência nos atendimentos.
"É um acidente evitável, uma brincadeira que não tem sentido ser dessa forma. As pessoas precisam ter consciência de que isso mata. É arriscado para todo mundo envolvido. É igual brincar com faca”, completou Rodrigo Muzzi.
Recuperação
Passados cinco anos, Gabriel Alves se lembra com detalhes do dia em que foi ferido. Ele ia cortar o cabelo quando teve o corpo atingido pela linha chilena. O jovem arrebentou o material, que estava na altura do próprio pescoço, e começou a puxá-lo, evitando que um motociclista que circulava na via fosse atingido. No entanto, um ônibus arrastou a linha, que fez um corte profundo em sua perna.
Alves diz que encontrou em Deus e na família o apoio para se recuperar: “A infecção do ferimento estava subindo pela perna, e decidimos amputá-la, porque assim eu conseguiria ficar vivo. Oito dias após a cirurgia, eu já estava em casa e comecei a caminhar com andador e muletas. Em dois meses, andava bem com a prótese e voltava às minhas atividades, como ir à escola. Mas foi um processo muito difícil”, lembra.
Futebol ainda está na vida de Gabriel
Mesmo com o acidente, Gabriel Lucas Alves, hoje com 20 anos, ainda consegue viver o futebol. Ele chegou a jogar em equipes de pessoas amputadas, mas acabou se encontrando fora das quatro linhas: o rapaz é agente de jogadores em uma empresa com mais de 20 anos de atuação no mercado.
“Trabalho agenciando atletas. Por eu amar futebol e ter tido a oportunidade de seguir essa carreira, foi o que escolhi para mim, e estou indo muito bem. Não desisti do meu sonho de viver de futebol e consegui”, detalha.
A vida por um fio
Com a proximidade das férias escolares, a Sejusp vai iniciar a campanha "A Vida por um Fio", que conscientiza dos perigos do uso e da venda de linhas cortantes. A ação está prevista para ser lançada na segunda quinzena deste mês.
Anual, a ação também incentiva as pessoas a denunciar, pelo telefone 181, a fabricação e o comércio desses materiais.
Neste ano, o recesso escolar na rede municipal de BH será de 15 a 26 de julho; e de 22 de julho a 2 de agosto nas unidades do Estado.