A extensão do horário para que mesas e cadeiras possam ocupar os passeios de Belo Horizonte tem causado transtornos para moradores e motoristas que acessam as áreas de bares e restaurantes. Os comerciantes não respeitam o espaço que deveria ser ocupado apenas pelos pedestres e deixam os clientes “tomarem conta” das calçadas. Antes, o Código de Posturas permitia a presença de mesas e cadeiras nos passeios até as 23h, determinação que foi modificada no dia 20 de fevereiro, quando duas horas foram adicionadas a esse prazo.
A insatisfação levou moradores do bairro Lourdes, na região Centro-Sul, a entrar com ação no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A Associação dos Moradores do Bairro de Lourdes – Pró-Lourdes acionou o órgão para reclamar que um bar recém-chegado à região estava excedendo os limites de emissão de ruídos e aglomerando clientes na calçada, impedindo a passagem dos pedestres e prejudicando o trânsito local.
A reportagem de O TEMPO flagrou o mau uso das calçadas em algumas regiões da capital mineira. Em um dos estabelecimentos visitados, os consumidores ocupavam a parte interna do local, a calçada e um espaço cercado com grades na faixa de estacionamento em frente ao bar. Por volta das 22h30, os pedestres já não tinham o espaço de passagem determinado pelas regras de uso do passeio na cidade.
O Código de Posturas de Belo Horizonte, documento que reúne um conjunto de normas que regulam o uso do espaço urbano pelos cidadãos, estabelece que a utilização do passeio deve priorizar a circulação de pessoas, de forma segura, confortável e acessível.
“É uma concentração (de pessoas) nas calçadas e, se você quiser passar com o carrinho de bebê, não passa. Uma cadeira de rodas? Não passa também. Uma pessoa idosa também não passa. Fica todo mundo segregado dentro de casa até acabar o evento”, explica Lúcia Pinheiro, presidente da associação Pró-Lourdes.
O desrespeito à legislação corrente acabou “naturalizado” pelos belo-horizontinos, conforme reflexão da urbanista e consultora em inovação urbana Branca Macahubas. “Acaba que os bares se tornaram os pontos de encontro das pessoas, amigos, famílias. Então, ele quase virou uma extensão, de fato necessária, para esse convívio no espaço público”, diz.
A especialista define essa relação entre os usuários dos bares e o restante da cidade como uma “briga eterna”. De acordo com Branca, o Código de Posturas permite essas ocupações nos estacionamentos, como os parklets, para tentar amenizar a situação. “Alguns estabelecimentos adotam a utilização de grades que ficam durante só o tempo de funcionamento do bar e, no resto do dia, o espaço é liberado. Uma coisa transitória. É uma solução, já que os vários bares têm a necessidade de aumentar essa utilização desse espaço. Então, que use a área de vagas de estacionamento, e não o passeio propriamente dito, que deveria estar liberado para quem passa”, explica.
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) diz que o estabelecimento visitado pela reportagem é orientado sobre o uso do espaço e deve zelar pela disposição correta do mobiliário, e que realiza fiscalizações mediante denúncias. Ela foi questionada sobre quantas fiscalizações e denúncias foram feitas neste ano e não tinha respondido até o fechamento desta edição
‘Trouxe mais segurança para a região’
“Trouxe mais segurança não só aqui para mim, mas para todo comerciante que tem aqui”, alega o dono de um dos estabelecimentos na região Leste de Belo Horizonte flagrados, no último sábado, com mesas e cadeiras ocupando todo o passeio e parte da via, sem espaço para a passagem de pedestres.
“Aqui era um quarteirão morto, era um local onde você passava às 16h e era assaltado. Essa reclamação era constante aqui”, diz ele, que terá o nome resguardado. “Eu cheguei, consegui encher e movimentar o quarteirão todo”, afirma. “Tenho muitos pais de família trabalhando aqui”, complementa.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa que não foram registradas, nos canais de atendimento ao cidadão, irregularidades de instalação de mesas e cadeiras no local flagrado pela reportagem. Destaca ainda que uma equipe de fiscalização realizou vistoria no estabelecimento na última quinta-feira (4).
Associação de moradores zela pelo cumprimento das regras
A presidente da Associação dos Moradores do Bairro de Lourdes - Pró Lourdes, afirma que a Prefeitura, a Polícia Militar e o Ministério Público são grandes parceiros na garantia do comprimento das regras na região. Mas a união da população é crucial para a fiscalização. Lúcia é moradora do bairro há 35 anos e está a frente da presidência da associação há oito. Em quatro anos, a Pró-Lourdes monitorou e denunciou cerca de cinco casos de estabelecimentos que estavam causando transtornos a população.
“São 13 anos de um trabalho aqui no bairro visando, não brigar, mas sim, harmonizar o convívio entre a parte comercial e os moradores”, destaca. Para Lúcia, a associação é crucial não só para fazer pressão junto aos órgãos públicos, mas também porque todos se beneficiam das conquistas coletivas.
“Se a gente estiver pensando de forma isolada, por exemplo, colocando uma janela acústica no seu próprio apartamento, vai resolver o problema seu, mas não do se vizinho que às vezes alguma questão de saúde e se assusta com barulho. Ou do outro que tem uma criança que não consegue dormir à noite devido ao trânsito. Ou seja, olhou só o seu lado. Mas as pessoas têm que olhar para além de si próprios”, ressalta.