Até o ano 2042, um quarto da população brasileira será idosa. A projeção é que o número de pessoas com mais de 60 anos chegue a 56,39 milhões, enquanto o de crianças de até 12 anos chegue a 27,49 milhões. Essa inversão da pirâmide etária aponta para uma necessidade cada vez maior de o país pensar alternativas de moradias para essa camada da população. Nesse cenário, as casas de longa permanência, hoje um pouco estigmatizadas, poderão ser bem mais requeridas.
“É preciso desmitificar o olhar para as instituições de longa permanência, que são cheias de mitos. Existe a ideia de asilos como locais ruins, para onde vão pessoas sem alternativas, como uma instituição de última instância. Mas, à medida que mais pessoas envelhecem, precisamos entender esses locais como potencializadores de vidas, onde as pessoas podem viver e ter acessos a tratamentos necessários. Ou seja, estamos falando em qualidade de vida”, explica Patrícia Alves, supervisora do projeto Rede 3i da Cemais, uma associação sem fins lucrativos que faz a articulação entre governo, ONGs e sociedade civil.
Algumas pessoas já têm essa visão. Dona Yara*, por exemplo, está prestes a completar 100 anos e hoje mora em uma casa de repouso. Até os 97, ela, que é solteira e não teve filhos, morava sozinha. Conta que fazia de tudo sem precisar de ajuda. Porém, um dia, percebeu que ir ao supermercado e carregar sacolas já não era tão fácil. No outro, achou que fazer faxina na casa estava muito puxado. Decidiu, então, ir viver em uma das instituições de longa permanência de BH.
“Já não conseguia morar sozinha, mas fui ativa a vida toda. Hoje fico por aqui, tenho meu quarto individual, tenho comida pronta e assisto televisão até dormir. Se precisar de ajuda, as cuidadoras auxiliam”, conta ela.
Para dona Yara, a casa de repouso foi uma solução. Ela relata que, com a terceira idade, vêm também alguns desafios. “Vivo bem aqui, tenho tudo o que preciso e segurança”, diz.
Solução. Para outras pessoas, as instituições são caminhos para fugir de violências, sobretudo a patrimonial. “É preciso lembrar que o agressor muitas vezes está dentro de casa. Então, sair daquele contexto pode ser uma saída”, explica Patrícia.
Dona Neuza* já não sabe a própria idade. “Tenho setenta e alguma coisa”, diz ela, que tem 80 anos, conforme os documentos. A idosa diz que “não se importa mais” com o passar do tempo. Também não sabe que está em 2024. Afirma não ter interesse em saber de mais nada. E foi assim que ela também disse ter perdido interesse nos próprios bens e, atualmente, vive em uma casa de repouso.
A idosa conta que a vida dela foi sendo dominada pelos problemas da família. Divorciada, não teve filhos e vivia com uma irmã e os sobrinhos. O apartamento, porém, é dela. Aos poucos, ela não estava mais se sentindo confortável e não encontrava o seu papel na dinâmica familiar. Vizinhos afirmaram que ela poderia ir para uma casa de repouso, e ela foi, há uns meses. Ela poderia viver melhor financeiramente se alugasse ou vendesse o seu imóvel. Mas ela não consegue fazer isso.
Dona Neuza diz não ter muita opção. Como tirar o apartamento dela da família, que mora no local? Ela faz um gesto de dúvida com as mãos, ao mesmo tempo em que diz não se importar: “Deixa pra lá”. A família não a vê com frequência. “Eles também não costumam vir me visitar. Os amigos visitam mais. Mas deixa eles no apartamento”, emenda.
A presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Naira Lemos, explica que situações assim podem gerar adoecimento nas vítimas. “A saúde mental pode impactar a física. E sabemos que eles podem desenvolver, por exemplo, depressão, estresse”, explica.
Luciano Gomes, professor de ciências sociais do Centro Universitário UniArnaldo, diz que, apesar dos desafios, a sociedade tem se tornado mais consciente sobre a importância de respeitar os direitos dos idosos. “Todo esse processo de acesso às informações, de empoderamento, vem trazendo uma nova consciência. Lógico que é necessário ressaltar que a violência contra idosos ainda é um problema grave. A conscientização é um processo que deve ser contínuo”, finaliza.
Morte pode chegar antes de vaga em abrigos
Se em um futuro o ideal é que as pessoas busquem apoio em instituições de longa permanência, atualmente o acesso não é tão fácil para quem não consegue pagar por um lar privado. Belo Horizonte tem 711 idosos em asilos públicos, segundo a prefeitura. Do total de vagas, 76% são destinadas a mulheres, e 24% a homens.
Segundo Patrícia Alves, supervisora do projeto Rede 3i da Cemais, a cidade tem 25 instituições de longa permanência filantrópicas quarteirizadas – ou seja, que recebem recursos da iniciativa privada e da prefeitura. A Cemais ajuda na administração de parte delas, mas o acesso à rede é pela assistência social do município. “Temos vagas disponíveis na rede e também uma fila de espera. Existe uma burocracia no acesso que não entendemos bem”, conta.
Uma burocracia que, por vezes, custa vidas. “Tivemos um caso em que vizinhos denunciaram abandono de um idoso. O processo demorou tanto que, quando chegamos lá, ele já tinha morrido havia seis meses”, diz Maura Carvalho, presidente do Lar Santa Gema.
A prefeitura foi questionada sobre a fila de espera e não passou números. Só informou, por nota, que “estuda adaptar vagas femininas para homens e está fazendo levantamentos para diagnosticar a real demanda”.
*Nome fictício