Há quase nove anos, em novembro de 2015, Minas Gerais sofria um dos maiores desastres ambientais da história mundial. O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central, liberou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que contaminaram o meio ambiente e mataram 19 pessoas. Algumas das imagens que correram o mundo e dimensionaram a tragédia, até então sem precedentes no Brasil, foram capturadas por um dispositivo usado por um oficial do Corpo de Bombeiros e que, anos depois, tornaria-se parte da política de investimentos da segurança pública: o drone.

Atualmente major e comandante da 1ª Companhia Especial de Operações Aéreas, Thiago Miranda comprou o primeiro drone usado pelos bombeiros de Minas meses antes do rompimento da barragem, em uma viagem para os Estados Unidos. Ele tirou do próprio bolso os cerca de 1 mil dólares necessários para adquirir um Phantom 2, modelo de drone lançado em 2013 pela DJI, uma das principais fabricantes do dispositivo no mundo. “Sempre fui um entusiasta do assunto. Sabia que seria útil”, relembra.


Corpo de Bombeiros de MG usou drone em uma grande operação pela primeira vez para capturar imagens do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana

Inicialmente, o major encontrou resistência na própria corporação para usar o equipamento, mas os registros de imagens em Mariana “quebraram o paradigma inicial”. “Ouvi de alguns oficiais mais antigos, hoje aposentados, que o drone era brinquedo. Não compreendiam muito", recorda-se.

Nove anos depois, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais tem mais de 100 drones, com mais de 200 militares treinados para utilizá-los. Os dispositivos auxiliam, por exemplo, no combate a incêndios urbanos e florestais e em operações de resgate de desaparecidos. "Ele é uma mistura entre o uso de um binóculo e também dos helicópteros, com um custo baixo e de extrema segurança para os operadores”, explica.

O marco para a utilização de drones pelos bombeiros de Minas ocorreu a partir da segunda grande tragédia envolvendo a mineração no País. Em janeiro de 2019, a barragem B1, da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, rompeu e liberou mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos; 270 pessoas morreram, entre moradores e trabalhadores da mineradora Vale. “Nessa tragédia, o uso se popularizou. Fazíamos registros diariamente com os drones, e as imagens eram analisadas para planejar as ações”, explica.

Nas operações em Brumadinho, a tecnologia havia avançado em relação à tragédia em Mariana, e os dispositivos eram ainda mais eficientes. À época, o Corpo de Bombeiros já contava com seis drones do modelo Mavic 2 Enterprise, também desenvolvido pela DJI, que, entre os principais recursos, possui câmera térmica.

Com a evolução da tecnologia, o major prevê que os drones terão papéis ainda mais decisivos no dia a dia dos bombeiros. Ele cita como exemplo a prevenção e o combate a incêndios, além do mapeamento com imagens. “No futuro, com a queda de preço dos drones, teremos equipamentos com capacidade de carga de água para irrigar áreas de mata seca, evitando a possibilidade de o fogo propagar”, explica.

Outra possibilidade de utilização é no atendimento a acidentes de trânsito. Segundo o major, alguns dispositivos já contam com microfone e auto-falante. “Esses recursos podem ser usados para prestar as primeiras orientações”, diz. Como exemplo, o major cita um caso recente em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, em 28 de julho. Uma pessoa morreu e oito ficaram feridas após serem atropeladas na MG-135, enquanto tentavam prestar socorro aos passageiros de um carro que havia caído em um barranco. “Poderia ter sido evitado”, pontua.

Monitoramento de barragens

A partir dos rompimentos das duas barragens, houve uma intensificação das políticas públicas e regulamentações relacionadas ao monitoramento e segurança desse tipo de estrutura. Nesse sentido, os drones também passaram a ser utilizados no monitoramento e fiscalização delas. Os dispositivos são parte da política da Agência Nacional de Mineração (ANM), que conta com 17 drones e 30 fiscais capacitados a operá-los — mais dez devem concluir o curso de pilotagem ainda neste mês de agosto. 

“Os drones contam com tecnologias, como a câmera termal, que traz uma possibilidade de verificação que o olho humano não permite”, explica o engenheiro ambiental Guilherme Santos, da Gerência de Segurança de Barragem de Água do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). No caso das barragens de água, os drones conseguem, por exemplo, verificar “infiltrações, trincas, áreas úmidas ou qualquer diferença de temperatura na superfície”.

Além disso, acrescenta, “os drones permitem obter imagens de áreas de difícil acesso, com segurança para a equipe de fiscalização”. De acordo com ele, os próprios empreendedores podem se beneficiar da tecnologia. “Para os donos de barragem, também é uma ferramenta de monitoramento”, garantindo segurança dos profissionais, detecção precoce de problemas e economia de tempo e recursos, explica.

Drone acha criminoso há 3 dias sumido

Suspeito de orquestrar uma série de homicídios, um dos líderes do tráfico de drogas em Ubá, na Zona da Mata, escondia-se há três dias em uma área de vegetação densa à margem da MG-120. Enquanto isso, Polícia Militar (PM) e Ministério Público de Minas Gerais tentavam cumprir sete mandados de prisão contra o homem, conhecido como “Lázaro de Ubá”. A captura foi possível em 16 de novembro do ano passado, com o auxílio de drones, usados pela PM para chegar a locais de difícil acesso e capturar imagens a uma distância que os olhos não podem alcançar.

O caso foi lembrado pelo sargento Miranda, do Comando de Aviação do Estado (Comave), como um dos exemplos do uso da tecnologia pela PM. O militar integra o Esquadrão Harpia, criado em 2017 e responsável pelas ações da corporação com o uso de drones. Ele destaca que, além de ações ostensivas, os equipamentos auxiliam na prevenção de crimes e fazem parte de alguns dos momentos mais festivos para os belo-horizontinos.

“Usamos os drones em grandes eventos. Por exemplo, nos carnavais de BH e nos grandes jogos de futebol, como na inauguração da Arena MRV (estádio do Atlético) e em partidas no Mineirão”, explica Miranda. Câmeras instaladas nos equipamentos permitem à polícia ver detalhes em meio a multidões, como na folia de 2024 na capital mineira, quando 5,5 milhões de pessoas foram às ruas, segundo a prefeitura.

Numa simulação para O TEMPO na Praça da Liberdade, no bairro Funcionários, região Centro-Sul de BH, o sargento ilustrou o poder do equipamento para registrar imagens a longa distância. Ele pilotou um drone para filmar o Palácio da Liberdade, antiga sede do governo de Minas, e, a 119 metros de altura, ampliou-a a ponto de ser possível identificar o rosto de quem estivesse numa das sacadas. “O zoom é de até 56 vezes”, disse. Ao sobrevoar outro ponto, a 51 metros do chão, ressaltou: “Com essa altura, o ruído do drone é quase inaudível, e conseguimos fazer uma operação sem sermos percebidos.”

Os equipamentos ainda contribuem na Operação Férias Seguras, realizada pela PM nos períodos de recesso escolar, quando há aumento do tráfego, com o objetivo de prevenir acidentes automobilísticos e combater a criminalidade. “Os drones são usados para a fiscalização e o monitoramento do trânsito”, explica Miranda.

Monitoramento de presídios

Os equipamentos também ajudam as forças de segurança a prevenir a entrada de materiais ilícitos em presídios mineiros. Há 43 deles à disposição da Polícia Penal, que, em 28 junho deste ano, usou os veículos para flagrar quatro pessoas tentando arremessar drogas e celulares no Complexo Penitenciário de Juiz de Fora, na Zona da Mata. Todas foram presas. Para identificar os suspeitos já de madrugada, foram usados drones com visão termal.

“É realizada a segurança do espaço aéreo e das adjacências das nossas unidades prisionais. Algumas são muito grandes, como a José Maria Alkmin, em Ribeirão das Neves (na região metropolitana de BH), e precisamos patrulhar todo o espaço. Se colocarmos só a mão de obra para isso, vai gerar um custo muito alto. Também usamos os drones para acompanhar o banho de sol dos detentos, as saídas temporárias e as chegadas e saídas de trabalho externo", explica o coordenador do Sistema Integrado de Patrulhamento Aéreo (Sispaer) da Polícia Penal, Rodrigo Machado.

A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas faz um balanço positivo do uso da tecnologia. “É uma ferramenta estratégica que fortalece as ações de segurança pública em ações táticas e emergenciais, proporcionando mais eficiência”, afirma a pasta.

Análise

Para a professora da Fundação Getúlio Vargas Direito Rio (FGV) Fernanda Prates, o Brasil avançou no uso de tecnologias, de modo geral, pelas forças de segurança, mas ainda há muito espaço para evoluir. A O TEMPO, 17 estados confirmaram que utilizam drones no auxílio à prevenção ou combate a crimes. “Demos um salto qualitativo nos últimos anos. As polícias têm entendido que a tecnologia precisa fazer parte da segurança pública”, afirma Fernanda.

“Mas temos um contexto de violência que, às vezes, demanda ações mais urgentes, aquisições mais urgentes por parte do Estado, e esse investimento, que é mais a longo prazo, acaba deixado de lado. Essa ideia de que a análise de dados é importante na segurança pública está cada vez mais presente, mas temos um caminho longo ainda pela frente", completa a professora, uma das autoras do estudo. “Segurança pública na era do big data: mapeamento e diagnóstico da implementação de novas tecnologias no combate à criminalidade.”