Sábado, dia 7 de setembro de 2024. Foi nesta data que Thaís Costa de Faria, de 31 anos, reconquistou a capacidade de tomar banho sozinha. Há 13 dias com um novo coração, ela já consegue andar pelos corredores da Santa Casa BH sem se cansar. O transplante foi necessário devido a complicações de duas infecções pela Covid-19. Desde 2022, o coração dela já não tinha forças para bombear sangue por suas veias e artérias, mas agora, entre os seus planos para o futuro, está voltar a caminhar com o marido em uma praça de Formiga, cidade onde mora. Para o professor Fernando Franco Taitson, de 48 anos, o dia de seu “renascimento” foi 16 de fevereiro de 2017. Na ocasião, o novo rim possibilitou que ele se livrasse das sessões diárias de diálise que, por mais de quatro anos, impediram que ele mantivesse sua paixão pelos esportes. Sete anos depois, ele viaja pelo mundo para participar de competições esportivas para transplantados, uma maneira que encontrou de estimular outras pessoas que receberam órgãos a cuidarem de seus corpos após a segunda chance que ganharam.
Apesar da realização de cerca de 160 transplantes por mês e quase 2 mil por ano, Minas Gerais ainda conta com uma fila de espera por órgãos e tecidos compatíveis que chega a quase 8 mil pessoas. O longo tempo de espera torna ainda mais importante a campanha do Setembro Verde, que visa à conscientização sobre a importância da doação de órgãos pela população.
Em 2023, segundo os dados da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), foram 1.082 transplantes de órgãos sólidos e 894 de córneas — que são considerados um tecido —, totalizando 1.976 procedimentos cirúrgicos em todo o Estado. Em 2024, até esta quinta-feira (19 de setembro), o número chegava a 1.459 cirurgias, sendo 757 transplantes de órgãos e 702 de córneas. Mesmo o mês ainda não tendo chegado ao fim, o número já supera o total dos nove primeiros meses de 2023.
“No ano passado, nós batemos o recorde histórico de Minas Gerais em termos de doação para transplante. Em 2024, continuamos melhorando, e a nossa expectativa é que cresça cerca de 15%. Mas ainda é um número abaixo do que a gente gostaria, uma vez que as filas de espera ainda são grandes, especialmente para rins e córneas. A única maneira de conseguirmos diminuir essa espera é aumentando o número de doações, para que possamos salvar mais pessoas que estão esperando”, explica Omar Lopes Cançado, diretor do MG Transplantes, que pertence à Fhemig.
Só na Santa Casa BH, que é um hospital de alta complexidade 100% SUS, de janeiro a agosto deste ano foram 233 transplantes — 41 rins, 30 fígados, 16 corações, 91 transplantes de medula óssea e 55 córneas. O médico Pedro Augusto Macedo, nefrologista e superintendente de Governança Clínica da Santa Casa BH, percebe um aumento no número de procedimentos. No entanto, ele considera que é possível melhorar.
“Se a gente for olhar os dados do Ministério da Saúde, especificamente sobre Minas Gerais, vemos que, no primeiro semestre, em relação a 2023, o aumento foi de apenas 4%. Então isso mostra que tivemos um avanço, mas que a necessidade de doações ainda é muito grande, porque há muitas pessoas na fila”, considera.
Trajetória de acolhimento e transformação
Thaís não percorreu a trajetória até o bloco cirúrgico sozinha. Desde março de 2024, ela está em Belo Horizonte passando por baterias de exames. "O medicamento para melhorar o bombeamento do coração não estava mais fazendo efeito. O médico me encaminhou para a Santa Casa e meu marido se mudou para cá comigo. Há 30 dias, eu entrei de fato para a fila de espera, foi muito rápido", conta. O casal preferiu ficar hospedado em uma casa da prefeitura de Formiga, uma vez que, após o surgimento do órgão, o prazo para se chegar até o hospital é de apenas duas horas.
"Largamos tudo e viemos com o apoio da família e dos amigos". O transplante também deu a Thaís um agradecimento à família que permitiu que o órgão de um ente querido fosse colocado em seu peito. "Mesmo diante da dor, o coração da família foi tocado. E ajudou outras pessoas, tenho certeza de que todos que receberam as doações estão felizes. Devolveram a minha vida e, agora, vou fazer tudo ao meu alcance para ajudar os outros", diz.
Ela ainda considera que a conscientização da doação vai atingir outras pessoas de sua família e de sua cidade. "Quando a gente vê alguém próximo passando por essa situação, há mudança", considera. Thaís também é grata à Santa Casa BH, onde conta ter recebido acolhimento. "Nem parece que a gente está internado. O acolhimento é de todos. O tempo que passei aqui foi leve, fui feliz aqui, recomecei", finaliza.
Assim como Thaís, Fernando Franco também levanta a bandeira pela doação de órgãos. Desde seu transplante, já viajou para a Argentina e Austrália para competir e, por meio do esporte, espera influenciar outras pessoas. “Eu sempre digo para as pessoas que estão ali, em um momento de dor, que doar é um grande gesto de amor. Os familiares podem transformar aquele momento de tristeza em alegria para muitos outros. Para quem está na fila, com algum problema de saúde, aconselho a ter muita perseverança e fé em Deus, que uma hora vai chegar o seu momento, como chegou o meu”, diz, emocionado, o professor.
Metade das pessoas na fila esperam por córneas
Ainda conforme os dados divulgados pela Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig), até agora, o Estado conta com 7.905 pessoas na lista de espera por transplantes de órgãos e tecidos. Deste total, 50,7% (4.011) aguardam por córneas. Os outros 3.894 pacientes dependem de órgãos, sendo o rim o que possui a maior fila (3.679), seguido pelo fígado (80) e coração (22).
A engenheira de alimentos Millena Cristina Corrêa Vieira, de 26 anos, é uma das pessoas que está na lista pelo transplante mais “esperado” no Estado. Ela é portadora da condição chamada “ceratocone”, que faz com que suas córneas fiquem mais finas e se projetem para fora em forma de cone. Após toda a documentação ser formalizada, ela entrou para a lista de espera em julho deste ano, na posição 1.097. Passados dois meses, ela agora aparece na 820ª posição.
“Essa espera é angustiante. A gente (pacientes na fila) sempre fica apreensivo, pois quanto mais rápido isso ocorre, mais rápido a gente vai voltar à nossa vida normal. Esse período na fila é como apertar o botão de pausa na nossa vida”, disse.
O médico Pedro Augusto Macedo, superintendente de Governança Clínica da Santa Casa BH, destaca que o grande número de pessoas nas filas demonstra a necessidade de se aumentar o número de doações. “Os dados do Ministério da Saúde indicam que, no primeiro semestre deste ano, em relação a 2023, houve um aumento de apenas 4%. Isso mostra que tivemos um avanço, mas que a necessidade de doações ainda é muito grande”, afirmou.
Orientada por sua médica, diante da fila de espera com cerca de 2 anos de duração em Minas, ela também foi direcionada para a lista do Banco de Olhos de Sorocaba (SP), onde o prazo cai para cerca de 4 a 5 meses para a realização do procedimento com uma equipe particular. Porém, para isso, é preciso pagar R$ 50 mil pelo procedimento cirúrgico, levando a jovem a abrir uma vaquinha, que já arrecadou R$ 24 mil, quase o suficiente para a cirurgia em um dos olhos.
“Cada pessoa que doa, cada pessoa que compartilha a vaquinha, que fala sobre o assunto, já me deixa muito feliz. É bom ter esse acolhimento todo, pois esse processo todo do transplante é muito solitário”, diz Milena.
Busca ativa nos hospitais
Visando aumentar o número de doadores, o MG Transplantes vem realizando uma série de encontros com hospitais do Estado para sensibilizar os profissionais da saúde sobre a importância da busca ativa de potenciais doadores. No início do mês, o órgão realizou o 3º Simpósio das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante e, nesta sexta-feira (20 de setembro), outro evento com o mesmo objetivo acontece no Hospital das Clínicas da UFMG.
“No MG Transplantes, nós não temos doadores, eles estão nos hospitais. Então, é muito importante que esses profissionais consigam identificar o possível doador para notificar a Central de Transplantes sobre esses pacientes. Esse passo é muito importante para que possamos solicitar essa doação e fazer o trâmite necessário para o diagnóstico da morte, para a logística de distribuição desses órgãos até a realização do transplante em si”, completa.