Bernardo Stephano Lima Toffalini, 19, era um jovem “alegre, companheiro e brincalhão”. Na companhia do pai, Breno Stephano, 50, o jovem tinha o costume de mexer com os carros em casa. Há pouco mais de um mês, Breno e a família precisam lidar com a ausência do jovem. Bernardo e um amigo, que dirigia o carro, morreram em um racha na Via Expressa de Contagem, na Grande BH, no dia 27 de agosto. “É uma dor que só quem passa consegue descrever o tamanho”, diz Breno.

Nos seis primeiros meses deste ano, 127 pessoas foram parar nas delegacias em Minas suspeitas de participar de disputas de corridas não autorizadas — como essa que matou Bernardo e o amigo Eduardo Marques Viana Silva, 18. No mesmo período de 2023, foram 91 – alta de 40%, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais.

No dia das mortes de Bernardo e do amigo, três colegas, que estavam em outro carro e também participavam do racha, foram presos e, hoje, cumprem medida cautelar com monitoração eletrônica. Breno faz um apelo: “Tenham consciência antes de se envolverem com rachas. A gente nunca pensa que pode acontecer o pior, mas acontece”.

As corridas ilegais também tiraram a vida de dois jovens de 26 anos na avenida Amazonas, no bairro Barroca, região Oeste de BH, em outubro de 2009. O carro em que eles estavam bateu em uma árvore no canteiro central. Quinze anos depois, Mariana Abalen, 38, ainda tem na memória as imagens do acidente que matou os amigos. “O carro dobrou no meio, e eles morreram na hora”.

Às 6h do dia 22 de setembro, um domingo, o motorista de aplicativo Vinícius Damaceno, 23, levava três passageiros para o trabalho quando se envolveu em um acidente na avenida Dom Pedro II, no Caiçaras, região Noroeste de BH. A batida foi causada por dois motoristas que disputavam um racha. Os três veículos ficaram destruídos, e oito pessoas precisaram receber atendimento médico; quatro delas, que estavam em um dos carros envolvidos na disputa, ficaram presas às ferragens.

“Minha sorte é que atingiu só a frente do carro, na direção do pneu. Um metro atrás, teria me atingido, e eu iria virar carne moída. Ficaria até difícil juntar os pedaços para colocar no caixão”, diz Vinícius. Garrafas de bebidas foram encontradas nos carros envolvidos no racha, segundo a Polícia Militar (PM). O motorista de um deles foi identificado como um jovem de 22 anos, que precisou ser hospitalizado. O outro fugiu do local do acidente.


Carro do motorista de app ficou destruído no acidente  

“Eles estavam muito rápidos. Antes do acidente, eu tive um pressentimento. Reduzi a velocidade e comecei a buzinar. Quando iniciei a travessia da Pedro II, só vi dois vultos cinza vindo em minha direção. Depois, ouvi o barulho da batida, e meu carro começou a rodar. Felizmente, eu e os passageiros não nos ferimos”, conta Vinícius.

O coordenador da Mobilização Nacional de Médicos e Psicólogos do Trânsito, Alysson Coimbra, reforça que as bebidas prejudicam a tomada de decisões. Segundo ele, os rachas revelam um comportamento que vai além da transgressão: a busca por “emoções intensas”. Quem pratica racha, porém, está sujeito a multas e prisão, que pode chegar a seis anos em caso de lesão corporal grave e a dez anos em caso de morte. 

Somadas as autuações mais comuns envolvendo a prática, o valor pode “facilmente superar” R$ 17 mil, conta o tenente Filipi Augusto, da Polícia Militar Rodoviária (PMRv). “Há juízes que já entendem o racha como dolo eventual, porque o indivíduo assume o risco, mesmo que ele não tenha a intenção de matar”, explica. Nesse caso, o réu responde pelo Código Penal. Só por participar do racha, o motorista está sujeito a até três anos de prisão.

Influenciadores atraem jovens com carros de luxo e bebidas

Uma vida de luxo, com carros esportivos e alterados para se tornarem ainda mais potentes. Esse é um retrato de diversos perfis com milhares de seguidores nas redes sociais que estimulam o desrespeito às leis de trânsito. Entre as publicações, estão vídeos de prática de direção perigosa. 

Na Grande BH, a alameda Oscar Niemeyer, conhecida como “Seis Pistas”, em Nova Lima, é um dos pontos de atenção da PM. “É uma dor de cabeça constante”, conta um morador que terá a identidade preservada. A poucos metros dali, a praça Marcelo Goes Menicucci, em frente ao BH Shopping, também é palco de exibições de risco. Nas redes sociais, são diversos os registros de possantes de montadoras como Porsche e BMW fazendo drift — técnica que faz o carro “andar de lado”.

As publicações são nocivas aos jovens, analisa o psiquiatra e psicoterapeuta Rodrigo Barreto Huguet, da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria, porque eles ainda não têm “maturidade cerebral e de vida” para tomar decisões.

Radares são eficazes para coibir prática

Uma das formas eficazes de coibir as corridas ilegais são os radares de velocidade. Em dez anos, entre 2012 e 2022, o número desses equipamentos mais do que triplicou em BH – de 97 para 332. Nesse período, o número de acidentes caiu de 15.260 para 12.148. “Os radares têm uma eficácia muito grande porque são permanentes, 24 horas por dia”, diz Silvestre Andrade, especialista em segurança de trânsito. 

A Polícia Militar Rodoviária (PMRv) usa dados estatísticos para montar operações “com foco na prevenção”, afirma o tenente André Muniz. “Coibimos esse tipo de infração por meio da seção de planejamento e operações”, diz. “Também contamos com denúncias e temos monitoramento de redes sociais”, reforça. Apesar da eficácia de radares e da força ostensiva da polícia, também é preciso investir em campanhas de conscientização dos motoristas, reforça Alysson Coimbra.