Moradores do bairro Madre Gertrudes, na região Oeste de Belo Horizonte, flagraram um caso de violência policial na madrugada do último domingo (5 de janeiro). Nas imagens, obtidas por O TEMPO, é possível ver o momento em que um rapaz é atingido em cheio por um tapa na cara durante uma abordagem da Polícia Militar (PM). Em nota, a PMMG afirmou que que vai apurar o caso (Leia a nota na íntegra abaixo).
Sob anonimato por temer represálias dos policiais, um conhecido da família de um dos rapazes contou que dois adolescentes e outros dois amigos, já maiores de idade, estavam sentados na porta de uma loja, na entrada do beco onde moram, quando os policiais chegaram.
"Eles alegaram que os meninos apontaram a arma de gel para eles, mas não aconteceu nada disso. Eles sempre chegam agredindo os meninos, eles sempre passam por essas situações. E nós, que temos filhos no bairro, ficamos com medo do que pode acontecer daqui para frente", relata.
Veja o momento das agressões:
Uma abordagem policial truculenta foi flagrada por um morador do bairro Madre Gertrudes, na região Oeste de Belo Horizonte, na madrugada do último domingo (5). Nas imagens, é possível ver o policial dando um tapa no rosto de um dos jovens abordados. pic.twitter.com/cgqi9euCtn
— O Tempo (@otempo) January 7, 2025Ainda conforme a testemunha, os policiais também teriam quebrado a arma de brinquedo, que atira bolinhas de gel, na costela de um dos rapazes alvo da abordagem. Este momento não foi flagrado pelo vídeo. "Os meninos não são envolvidos com nada, são trabalhadores. Esse que tomou o tapa na cara mesmo, tem até problema de coração", denuncia.
Ameaça de morte
No início da filmagem, é possível ouvir um dos policiais militares que atuaram na ocorrência fazendo uma ameaça de morte contra os alvos da abordagem. "Na próxima vou mandar para o IML, sem remorso nenhum", diz o militar fardado. Em seguida, o rapaz, com as duas mãos na cabeça, parece falar algo antes de levar um tapa no rosto.
Ainda de acordo com o morador do bairro, situações como esta expõem a necessidade do uso das câmeras corporais por agentes da polícia. "Tinha que ser obrigatório. Esse tipo de atitude faz a comunidade perder a confiança na PM. Nós queremos paz e eles acham que, só por morarmos em área de risco, somos todos errados. Deveriam fazer o serviço certo, não fazer sacanagem. No vídeo, ele fala que ia mandar para o IML. Depois de ver uma coisa dessa, como que você pede ajuda para eles?", finaliza.
Leia nota da PMMG
A Polícia Militar de Minas Gerais, por intermédio do Comando de Policiamento da Capital, informa que os fatos alegados na demanda e nas imagens de vídeo, bem como as circunstâncias em que se deram os fatos, serão objetos de apuração em sede de Inquérito Policial Militar.
Decreto regulamenta uso de força
Após a grande repercussão de uma série de casos de violência policial, como o do homem jogado do alto de uma ponte em São Paulo, em dezembro de 2024 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou um decreto que regulamenta o uso da força empregada pelas polícias Civil e Militar em operações e abordagens.
Embora ainda falte o detalhamento das regras, o que deve ocorrer nos próximos 90 dias, o decreto já traz mudanças importantes no comportamento - e, com elas, polêmicas e discussões, principalmente vindas de governadores, responsáveis pelo gerenciamento das suas polícias estaduais.
Dados do Anuário de Segurança Pública compilados em 2023 revelam que no ano passado 6.393 pessoas foram mortas por intervenção policial, uma média de 17 mortes por dia - número que vem se repetindo desde 2018.
O que é o decreto?
O decreto, publicado na véspera do Natal, estabelece normas para o uso da força empregada por policiais, com foco em minimizar o uso de armas e em garantir maior transparência nas ações das autoridades de segurança. As regras são direcionadas tanto para a Polícia Militar quanto para a Polícia Civil e têm caráter orientador, sem obrigar os governadores a aplicá-las.
Os estados que não cumprirem as diretrizes, no entanto, podem sofrer cortes nos repasses de recursos federais destinados à segurança, como o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). Para se ter uma ideia do quanto isso representa no orçamento dos governos estaduais e distrital, em 2024 os valores repassados somaram R$ 3,4 bilhões.
O que muda?
Uso da força: A principal mudança é que as armas de fogo devem ser usadas “somente como último recurso”. Além disso, o uso de armas contra pessoas desarmadas ou em fuga, ou contra veículos que desrespeitem bloqueios, só será permitido se houver risco iminente de morte ou lesão.
Planejamento de operações: As ações de segurança devem ser “planejadas para minimizar o uso da força” e os danos às pessoas envolvidas. Isso significa que, antes de agir, as autoridades deverão adotar medidas para evitar que a força seja necessária.
Responsabilidade e transparência: Os profissionais de segurança pública devem ser responsáveis pelo uso inadequado da força, e o decreto garante maior “transparência”, com a coleta de dados públicos sobre essas ações.
Por que os governadores criticam?
Governadores, especialmente os de estados com índices elevados de violência, criticam o decreto porque ele impõe novas exigências sem garantir recursos ou a flexibilização de normas para enfrentar a criminalidade. Embora as novas normas orientem as polícias a agirem de forma mais cautelosa, alguns governadores temem que isso prejudique o combate ao crime, dificultando a atuação das forças de segurança.
O que ainda falta?
O governo deverá publicar detalhes sobre questões específicas, como o uso de algemas, câmeras corporais e abordagens policiais. O prazo para a implementação total das regras é de até 90 dias.