Uma região metropolitana com mais de 5 milhões de habitantes onde a água virou um item raro e, consequentemente, cada vez mais caro. O cenário apocalíptico, que poderia muito bem fazer parte de mais um filme da franquia australiana Mad Max, é, na realidade, a previsão científica de um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os estudiosos constataram que o Parque Estadual da Serra do Rola Moça — lar das nascentes que alimentam os reservatórios que atendem as casas de grande parte da região metropolitana de Belo Horizonte — perdeu quase 20% da sua capacidade de absorver a água nos últimos 50 anos.
O problema é causado, segundo um estudo publicado na revista científica Total Environment Advances, pelo grande número de incêndios florestais, que, desde 1975, levaram à perda de 40% da vegetação natural do parque. A aceleração na perda das chamadas "florestas de galeria", ecossistema que abriga uma série de nascentes, impacta diretamente nos mananciais da região. “Sem a cobertura vegetal das florestas de galeria, a água das chuvas escoa rapidamente pela superfície, sem tempo para infiltrar no solo e abastecer os lençóis freáticos”, detalha o pesquisador Evandro Luís Rodrigues, doutor em ecologia que conduziu o estudo.
Como consequência da perda na vegetação, foi constatado pelos pesquisadores um aumento de 25% no escoamento superficial da água na região e, ainda, uma redução de 18% no volume infiltrado no solo. Estes índices, ainda conforme os pesquisadores, intensificam o risco de colapso hídrico e, até mesmo, de aumento das inundações no período chuvoso.
O professor Geraldo Fernandes, titular de ecologia da UFMG e do Centro de Conhecimento em Biodiversidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), explica que a pesquisa apontou que, a cada quilômetro quadrado de vegetação perdido, mais de 13 milhões de litros de água deixam de ser "guardados" no solo.
"Um km² desse que se perdeu conseguiria abastecer 1.346 pessoas por dia. Portanto, é uma perda enorme. Essa transformação pode ser vista por qualquer um. Basta olhar para a região do parque que se verá apenas aqueles 'gravetos' de árvore queimada. Hoje, está tudo cheio de capim, espécies que não existiam ali antes, exóticas, como capim gordura, capim braquiária, capim meloso, que, se não forem erradicadas, fica muito difícil retomar a situação. É preciso eliminar essas espécies que a gente chama de pirofíticas, que são 'amigas' do fogo, queimam facilmente e ajudam a propagar as chamas", detalha o professor.
Parceria com empresas pode ser solução
Questionado sobre quais políticas públicas podem ser necessárias para revertar o cenário atual, Fernandes pontuou que o processo de erradicação de espécies invasoras é muito caro e, por isso, talvez seja necessário o envolvimento de grandes empresas para financiar a recuperação e garantir o abastecimento da população mineira no futuro.
"O poder público tem que se envolver sim, mas a sociedade também precisa trabalhar, pois, se não, será ela mesma quem vai pagar a conta no futuro. Se faltar água, vai ficar mais caro para poder tratar, porque tem que adicionar um elemento químico ou outro. Portanto, se a gente consegue, através de parcerias com empresas da mineração, com quem está degradando esse ambiente, todos, a população, o Estado e as empresas, poderiam trabalhar juntos. É claro que esse envolvimento precisa ser vigiado, talvez, pelo Ministério Público (MPMG)", pontua o professor da UFMG.
Ainda conforme ele, é importante se garantir que o processo de recuperação da área do parque seja "assistido e ecológico". "Não é simplesmente colocando qualquer coisa verde lá achando que está fazendo bem. Estamos falando de um ambiente de montanha, diferenciado e muito frágil. Tem que saber colocar plantas nativas. Não adianta colocar espécies que podem tirar ainda mais água do solo, como eucalipto, por exemplo", acrescenta.
Doutor em geologia, mineralogia e cristaloquímica, Paulo Rodrigues, que também é professor do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), destaca que, em regiões onde a infiltração da água da chuva é favorecida por matas, quando estas são destruídas, por exemplo, por incêndios, o estrago pode ser irrecuperável. “Ao longo do tempo, até essas árvores se recuperarem, se é que podem ser recuperadas, esse serviço ecosistemico fica bastante reduzido, se não completamente anulado. Quanto mais alto, mais próximo do topo do morro, mais crítica é essa destruição”, afirma.
Procurada por O TEMPO, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) não se posicionou sobre o cenário crítico constatado pelo estudo da UFMG até a publicação da reportagem.
Já a Copasa destacou ações realizadas para proteger a região. Leia abaixo a nota na íntegra