Belo Horizonte, 1970. No coração da cidade, um prédio com estética modernista e arrojada começava a ser erguido. Foi ali o local escolhido para situar a Rodoviária de BH. A construção, que combinava linhas retas, formas geométricas e materiais como concreto e vidro, chamou a atenção de Luiz Antônio Corrêa, à época de 22 anos, que se reuniu com um grupo de amigos no canteiro de obras para admirar aquela “imensidão”. O momento foi registrado em uma imagem em preto e branco, exibida no balcão da farmácia de Luiz, localizada no Terminal Rodoviário desde 1977 – criada seis anos depois da inauguração do edifício, em 1971. Na época do registro, o farmacêutico, agora com 77 anos, não imaginava que, entre idas e vindas dos passageiros, montaria ali o seu comércio e meio de sustento familiar. Também não suspeitava que estaria lá para comemorar os 54 anos do Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro, completados neste domingo (9 de março). 

Levantamento da Rodoviária de BH mostra que em 2024 o terminal registrou média de mais de 20 mil passageiros diários, totalizando mais de 7,2 milhões de viajantes por ano, que embarcaram em 240 linhas estaduais e interestaduais que operam no terminal. A quantidade representa uma alta de 2% do fluxo em relação ao ano anterior, quando foram 7,1 milhões. Na percepção de quem acompanhou de perto a história do local, o número é bem menor do que o registrado há cerca de 30 anos, quando o transporte ainda era o mais procurado pelos viajantes.  

“Hoje temos um terço do público que transitava aqui há 30 anos. Acredito que isso se deva mais à grande quantidade de carros atualmente do que à facilidade de acesso a viagens de avião. Mas, juntando os dois, com o tempo, houve uma diminuição. Isso afetou também os comércios que funcionam aqui dentro. Antigamente tínhamos dez funcionários e hoje somos cinco”, lamenta Corrêa. 


Fotografia registrada durante construção do terminal é exibida no balcão da farmácia de Luiz Antônio Corrêa, de 77 anos Foto: Fred Magno / O TEMPO

A impressão dele, apesar de não quantificada numericamente pelos representantes da Rodoviária, faz sentido. Tanto que, para tentar frear a debandada de passageiros e promover melhorias, o terminal foi concedido à empresa Terminais BH, que assumiu a gestão do local por meio de um contrato firmado com a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra) em setembro de 2022, com duração prevista de 30 anos.  

A diretora executiva da Rodoviária, Vanessa Costa, explica que as modernizações feitas desde o início da concessão levaram melhorias importantes para os usuários. “Temos obrigações em contrato que foram concluídas nos primeiros seis meses. Elas diziam respeito a acessibilidade, iluminação e reparos de menor porte. Além disso, fizemos investimentos que sentimos necessidade, como revitalização da praça de alimentação, balcão de informação e refizemos o piso tátil do hall. Recentemente iniciamos uma fase de obras de recuperação estrutural. O usuário vai perceber mais movimentação de obras, o que pode gerar desconforto e tumulto, mas é para maior conforto”, garante. 

Não só a estrutura física conta. A atuação dos muitos funcionários que compõem essa história cinquentenária e realizam um papel fundamental, muitas vezes invisibilizado, é essencial para garantir o funcionamento, a segurança e o conforto dos usuários. Há décadas atuando no local, muitos deles guardam histórias de quem já passou por lá. Corrêa conta que a Rodoviária abriga uma diversidade fascinante de povos. Em quase cinco décadas no local, ele já atendeu pessoas de todo o país, ouviu boas histórias e fez amizades verdadeiras. “Aqui o cliente passa e daqui a dois anos ele volta. Mas já conheci gente que nunca esqueci. Tinha uma senhora, dona Marina, que era de Entre Rios de Minas. Ela vinha, deixava receita e dinheiro aqui, de tanta confiança que ela tinha. Eu lembro até o número do CRM do médico dela. Tinha um rapaz de Sete Lagoas que toda vez que viajava comprava um remédio para dor de barriga, ele tinha pavor de viajar. O senhor Antônio, que morava no KM 100 da Serra do Cipó, também era um grande amigo”, recorda, com lágrimas nos olhos.


O carregador de bagagens José Raimundo, de 65 anos, tem estampado no uniforme o número 01, reservado para o funcionário mais antigo do setor Foto: Fred Magno / O TEMPO

Há 38 anos trabalhando no terminal, o carregador de bagagens José Raimundo, de 65 anos, se lembra do tempo em que passageiros aproveitavam da política de “bagagens sem limites” para levar móveis de uma casa inteira em suas viagens. “Aqui chegavam pessoas se mudando, com a casa desmontada. Hoje não fazem isso mais, mas ainda tem pessoas que trazem bastante coisa. Eu estou aqui para ajudar. São muitas recordações”, conta.  

Em meio ao corre e corre para não perder o ônibus, muitos viajantes aproveitam ainda para dividir com os funcionários segredos de uma vida. É o que conta o engraxate Adir da Silva Medeiros, de 73. Meio acanhado, ele conta que, entre uma polida e outra, já ouviu confissões de pessoas do país inteiro. “É muito bom trabalhar aqui, eu atendo pessoas de todos os locais do país, Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Sul de Minas. Eu gosto de trabalhar aqui, já ouvi muito segredo, mas não conto”, brinca.

O engraxate Adir da Silva Medeiros, de 73, atua há 30 anos no terminal rodoviário Foto: Fred Magno / O TEMPO

Para o coordenador de tráfego Daniel Bregunce, as histórias “escritas” na Rodoviária de BH refletem a essência do local. “O terminal é um coração, ele pulsa, é a porta de entrada para BH. Trabalhar aqui proporciona um crescimento profissional e pessoal, uma experiência positiva como pessoa. Isso aqui é um reflexo da sociedade. Vemos chegadas, encontros e despedidas, e isso é especial”, celebra.  

Figurando no seleto grupo de trabalhadores mais antigos do terminal, Luiz Antônio, José Raimundo, Daniel e Adir são unânimes ao definir o que a Rodoviária representa nestes 54 anos de história: um lar, que pertence ao centro de BH. “Quando entrei, só tinha eu de comércio. Foi melhorando muito, hoje temos praticamente um shopping. O que marca são as amizades e as lojas que conseguimos manter mesmo passando por momentos muito difíceis, com tentativas de retirar a Rodoviária daqui. No mundo inteiro, em cidades como Nova York, as pessoas saem do centro da cidade, e aqui também tem que ser assim. Esse é o nosso lugar”, garante Luiz.

Desafios 

Atração de novos passageiros, combate ao transporte clandestino e trânsito engarrafado na área central, sobretudo em épocas de grandes eventos, são alguns dos desafios a serem enfrentados pela Rodoviária de Belo Horizonte.

O coordenador de tráfego Daniel Bregunce conta que 70% dos ônibus que partem do terminal vão para destinos dentro de Minas Foto: Fred Magno / O TEMPO

Quem passa pela praça Rio Branco, localizada nos arredores do terminal, nota o grande número de motoristas irregulares que assediam passageiros oferecendo passagens baratas para o interior de Minas, com partidas instantâneas. Na avaliação da diretora executiva da Rodoviária, Vanessa Costa, convencer os usuários dos perigos de optar por transporte terrestre clandestino e reafirmar a qualidade dos ônibus que operam no terminal é o caminho a ser buscado pela gestão.  

“Fazemos campanhas sobre o cuidado que o passageiro tem que ter ao fazer uma escolha pelo transporte rodoviário. Porque no transporte clandestino você não sabe se os motoristas estão preparados. São ações que fazemos para atrair mais pessoas”, afirma. 

Diretora-executiva da rodoviária Vanessa Costa garante novas melhorias nos próximos anos Foto: Fred Magno / O TEMPO

A diretora avalia que garantir conforto para aqueles que precisam esperar pelo embarque na Rodoviária também pode ser a chave para novos usuários. Exemplo disso é que, nos próximos dias, a Terminais BH vai inaugurar uma sala VIP. O espaço, já comum em aeroportos, será inaugurado no mezanino da Rodoviária de BH. “Está em vias de ser inaugurada uma sala VIP que vai ficar no mezanino, em um espaço bastante grande. São mais de 500 m² de área. De fato, vai levar muito conforto para quem se dispuser a utilizar esse espaço. Terá área de alimentação e área de descanso”, comemora. 

Congestionamentos trazem transtornos  

Se em dias normais o número de passageiros diário é de 20 mil, em feriados prolongados a quantidade de passageiros chega a aumentar em mais de 50%. Foi o que aconteceu no Carnaval de 2025, quando o terminal registrou, na sexta (28) e no sábado (1º), os primeiros dias da folia, mais de 34 mil e 31 mil passageiros, respectivamente. O resultado disso foi um longo congestionamento nos arredores da Rodoviária, travando o trânsito no centro de BH. Vanessa garante que a empresa tem feito esforços para tentar minimizar o problema.  

“Em feriados fazemos reforço na operação, vigilância e limpeza para que o ambiente fique adequado. Passamos orientações sobre antecedência para chegar ao terminal, porque o trânsito fica mais intenso. Temos um contato estreito com a BHTrans para que, nesses períodos, haja operação de trânsito; tudo isso, para amenizar o fluxo”, afirma.  

Segundo a BHTrans, em épocas de festas, férias e feriados, quando aumenta o trânsito no entorno da Rodoviária, é implantada uma operação especial de trânsito para diluir os transtornos. Com a grande demanda de veículos na região, a operação consiste em garantir a segurança dos pedestres, organizar o trânsito e criar uma fluidez, evitando cruzamentos interditados e que os reflexos dessa demanda de veículos na região impactem outras vias.


Luiz Antônio Corrêa tem uma farmácia localizada na rodoviária de BH há 48 anos Foto: Fred Magno / O TEMPO