Pais de alunos do 6º ano do Colégio Marista Dom Silvério, em Belo Horizonte, questionam a escolha de uma tirinha utilizada no simulado aplicado no último sábado (29 de março). Conforme os responsáveis pelos estudantes, a questão reproduziu um diálogo com viés machista. O grupo questionou sobre a escolha da tirinha, mas a instituição ainda não se manifestou. A reportagem de O TEMPO também procurou a escola que, em nota, afirmou que "não teve o objetivo de causar desconforto na comunidade escolar". 

A tirinha, intitulada "Remédio para o estresse", mostra um diálogo entre um casal, representado por duas cobras. A cobra, que representa uma mulher, questiona a sobrecarga de tarefas ao seu companheiro. "Acordo cedo, levo os meninos pra escola, vou pro trabalho, chego em casa, faço jantar, lavo e passo. Estou esgotada!", desabafa.  

A cobra, que representa o homem deste relacionamento, sugere que a mulher precisa ir ao shopping para "superar" o estresse. "Crianças, tá na hora de levar a mamãe no shopping pra fazer compras!", responde. A tirinha serviu como base para uma pergunta que questionava se o "marido", representado pela cobra homem, teve preocupação, sabedoria, perturbação ou insegurança. A opção C da questão de língua portuguesa tem ainda um erro de grafia, ao vir "pertubação", ao invés de perturbação. 

"Meu filho chegou em casa preocupado porque marcou insegurança e havia errado. Eu ficaria preocupada se ele tivesse marcado sabedoria", desabafou a mãe de um aluno. A responsável pelo estudante, que optou em não se identificar, afirmou ter procurado a escola questionando a utilização da tirinha. "É algo rotulador para nós. A minha geração e das outras mães dos alunos dessa turma, é uma geração que tem a sobrecarga do trabalho em casa e ainda trabalha fora. Cadê a empatia? Cadê a responsabilidade da escola em considerar que este é um rótulo que derrubamos há vários anos?", questiona. 

Segundo a mãe do estudante, ela e outros pais e/ou responsáveis procuraram a direção da escola e questionaram sobre a escolha da tirinha. Até o fim da manhã desta terça-feira (1º de abril), o grupo não havia recebido um retorno da instituição. "Não é só anular a questão, é fazer uma retratação e mostrar para os alunos que aquele conteúdo teve um viés machista. É importante que os alunos tenham essa visão", diz uma responsável por um dos alunos. 

Procurado pela reportagem de O TEMPO, o Colégio Marista Dom Silvério esclareceu que a utilização da tirinha em um simulado do 6º ano, realizado em 29 de março, "não teve o objetivo de causar desconforto na comunidade escolar". 

"Diante disso, a instituição reafirma seu compromisso com a promoção da igualdade e a construção de um ambiente educacional inclusivo e respeitoso, e ainda lamenta profundamente qualquer desconforto causado", diz trecho do posicionamento.

Debate sobre o conteúdo da tirinha

Para a psicóloga infanto-juvenil Ana Luisa Bolívar, a questão se torna problemática por não permitir aos estudantes debater o diálogo da tirinha. "Acredito que poderia ter tido um cuidado maior na elaboração da prova, mas poderia ser uma questão argumentativa, que provocasse aos alunos debater essa tal solução apresentada pelo pai", avalia.

Ainda segundo a especialista, a escola é um local de formação, onde, muitas vezes, os preconceitos de gênero se desenvolvem. "É aquele tradicional discurso do que é coisa de homem e o que é de mulher. E isso fica muito evidente nessa tirinha, inviabilizando toda a pauta das mulheres nos últimos anos sobre a quebra desses estereótipos", acrescenta Bolívar, que sugere a escola não somente anular a questão, como debater o conteúdo apresentado.