Depois de passar anos extraindo minério de ferro na serra do Curral sem realizar a devida recuperação ambiental prometida, inclusive chegando a destruir uma nascente e atingindo o lençol freático, a mineradora Empabra não teria se dado por satisfeita. Supostamente com o objetivo de continuar minerando, segundo constatou a Polícia Federal (PF), a empresa teria desestabilizado de propósito uma pilha, que esteve perfeitamente segura por anos, com o objetivo de conseguir uma autorização emergencial para desmanchar a estrutura e, assim, lucrar ainda mais com a destruição do monumento natural.
A conclusão do perito expert da PF está presente na representação da operação Parcours, apresentada pela corporação na Justiça Federal. O TEMPO teve acesso ao documento, que tem quase 150 páginas, onde a polícia solicita mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao grupo de empresários que eram investigados, além do bloqueio de bens que totalizaram cerca de R$ 832 milhões.
No documento, o perito cita que, entre 2023 e 2024, a Empabra apresentou relatórios técnicos na Agência Nacional de Mineração (ANM) para solicitar “urgência na remoção” da chamada Pilha A, com o objetivo de “justificar a remoção de minérios com teor marginal estocados para conformar taludes e deixar plana a área de processamento de minério”. “Ao analisar diversos relatórios técnicos (...) (o perito) levantou diversas dúvidas em relação à precisão das informações apresentadas”, diz o relatório.
A estabilidade da pilha, entre os anos de 2017 e 2024, foi confirmada pela corporação por meio de imagens de satélite, que mostraram o uso contínuo de máquinas pesadas construindo e trafegando sobre a pilha A, que recebeu, inclusive, a planta de beneficiamento da mineradora. O perito apontou ainda que a estrutura foi construída seguindo princípios que favoreceriam a sua estabilidade, já que tinham sido construídas de baixo para cima.
Foi então que, em setembro de 2024, durante uma “diligência velada” na Mina Corumi, o perito expert da PF flagrou máquinas extraindo materiais da pilha A “em locais onde se encontrava plenamente estável”. “A remoção de material, segundo apurado, desconformou o talude, induzindo o mesmo à instabilidade”, afirma o documento. O perito indicou ainda que, ao desestabilizar o maciço, a mineradora levaria à necessidade de se criar novos taludes, o que forçaria a rebaixar a topografia para adequar os degraus, o que causaria até mesmo prejuízo ao aspecto físico da serra do Curral.
“Esse ciclo de mineração, degradação e correção não só perpetua o impacto ambiental, como também impede a recuperação efetiva da área (...) Ou seja, a Empabra desestabilizou o talude (PILHA “A”), que se encontrava conformado e estável durante anos, de forma a conseguir autorização para manutenção emergencial na mina, lucrando ilegalmente através da extração de minério, em um ciclo vicioso que se mantém por décadas”, conclui o perito da PF durante a apuração do caso.
Por fim, a corporação ainda ponderou na Justiça que, após desestabilizar a estrutura, a mineradora “abandonou a operação”, deixando a pilha em uma situação que cria urgências de reparação, especialmente diante da chegada do período chuvoso de 2024/2025. Em janeiro deste ano, em nova fiscalização na área da mina, a PF confirmou as suspeitas, sendo constatado novos processos erosivos na área propositalmente afetada pela mineradora, sendo que uma das erosões ultrapassa os limites da mina e pode levar ao desmoronamento de parte da estrutura.
Procurada, a Empabra afirmou, por nota, que as intervenções na pilha A ocorreram por motivos de segurança e "apenas após determinação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam)". "As obras foram realizadas para estabilização da pilha e nunca para a sua desestabilização", disse a empresa.
Empresários poderão responder por fraudes
Com a extração mineral ao longo dos anos, o grupo empresarial ligado à Empabra teria lucrado, segundo a PF, cerca de R$ 708,8 milhões. Durante as investigações sobre o “destino” desta enorme quantia de dinheiro, os investigadores federais acabaram se deparando com uma verdadeira teia de empresas. Segundo um ex-funcionário da mineradora ouvido por O TEMPO, parte destes CNPJ’s estariam em nome de laranjas, que dividem a sociedade com outras empresas ligadas ao grupo de empresários investigados pela PF.
"O dinheiro entrava na Empabra e, de lá, era dissolvido em várias empresas, todas envolvendo os mesmos empresários, de alguma forma. Entre elas está uma empresa de ouro, que foi alvo de buscas lá no Mato Grosso; outra de investimentos, que também teve visita da PF ali na Savassi", lembra o denunciante.
A relação entre as empresas também é apresentada no relatório da polícia, que chega a citar o fato de que grande parte delas têm o mesmo endereço ou contatos de outras empresas do grupo empresarial. Após estabelecer as ligações que a PF conseguiu solicitar à Justiça o bloqueio de R$ 832 milhões em nome de seis pessoas — entre os empresários, laranjas e familiares deles — e de 24 empresas.
O advogado tributarista e professor universitário Antônio Carlos Macedo de Castro explica que, em tese, a atuação do grupo pode se caracterizar como uma "fraude decorrente da utilização de simulações". "A simulação consiste em utilizar um instrumento jurídico como se fosse outro. Seria quando, de maneira simulada, se cria várias empresas para realizar o mesmo negócio, ou quando se utiliza do expediente de fraude, colocando empreendimentos em nome de terceiros para que o nome e o CPF do responsável não apareçam, isso para obter vantagem em relação a esse tipo de negócio", detalha o especialista.
Ainda conforme o tributarista, por se tratar de atividades ilícitas, hipoteticamente eles podem sofrer repercussões tanto nos âmbitos civil, administrativo e tributário. "No âmbito administrativo, poderiam sofrer cassação das licenças e receber multas. Já no tributário também existem reflexos, pois muitas vezes a criação de várias empresas tem por objetivo a simulação e a redução da carga tributária, a sonegação fiscal. E, no âmbito civil, em tese os envolvidos podem responder a uma série de crimes, que vão desde organização criminosa, falsidade ideológica, sonegação fiscal, para além dos crimes ambientais", completa.
Questionada sobre a suspeita da utilização de empresas do grupo para "disfarçar" o lucro obtido ilegalmente, a Empabra afirmou que todos os valores arrecadados com a venda de minério "foram destinados às obras de recuperação e ao pagamento de obrigações fiscais e contratuais firmados".
"Todos os valores gastos com a recuperação ambiental foram provados, conforme pode ser atestado nos mais de 100 relatórios mensais enviados às autoridades estaduais e municipais. Além disso, estes documentos descrevem o estágio das obras, com a sua respectiva evolução, como previsto no PRAD, com amplo registro fotográfico, bem como a prestação de contas dos gastos realizados com a recuperação ambiental e seus respectivos comprovantes", concluiu a mineradora.
Vegetação foi destruída de 2006 a 2024
A atuação irregular na serra do Curral da mineradora Empabra, que teria destruído parte do manancial da área, também teria afetado a vegetação ao redor, aponta relatório da Polícia Federal. “Em alguns pontos, a cava criada reduziu o nível do terreno em cerca de 80 m, o que eliminou a vegetação em recuperação, além da cobertura do solo e das rochas”, dizem os peritos.
A empresa, que teria conseguido acesso ao local com a promessa de recuperação da área, teria piorado o cenário local. Imagens anexadas ao processo mostram que, em 2006, parte da cobertura vegetal já havia sido recuperada. Já em março de 2024, a área estava “completamente impactada ambientalmente”, ainda segundo a PF.
Ao fim das escavações, o que ficou foram “taludes íngremes e instáveis, que não receberam tratamento geotécnico adequado nem qualquer tipo de revegetação” em função de “operações de mineração (que) ultrapassaram os limites legais de maneira contínua e deliberada (...), configurando o que pode ser interpretado como uma transgressão continuada e planejada”, conclui a PF. A PF disse não comentar investigações em andamento.
Confira o antes e depois da "recuperação" Empabra: