A antiga proposta de tornar o transporte coletivo de Belo Horizonte gratuito para a população deu um passo à frente: o Projeto de Lei 60/2025 foi aprovado pela Comissão de Legislação e Justiça (CLJ) na última terça-feira (6). Agora, a ideia de promover o transporte público coletivo como meio de redução da emissão de gases de efeito estufa, passará pelas comissões de Administração Pública, Mobilidade Urbana e de Orçamento, e, para se tornar lei, deve ser aprovado em dois turnos no plenário por dois terços dos vereadores, ou seja, 28 votos. Mas, mesmo antes de ser aprovado, ou não, usuários e especialistas em mobilidade divergem sobre os impactos da gratuidade no transporte para a cidade.
“Acho que se virar lei, será um benefício muito grande, em vários aspectos, a começar no trânsito, que vai reduzir a quantidade de carros na rua. Acho que vai melhorar também para quem precisa pegar ônibus e não tem dinheiro. Já ouvi relatos de pessoas que não puderam ir a uma entrevista de empregos, porque não tinham dinheiro para a passagem, por exemplo, de quem não pode estudar por falta de condições para a passagem, então, acho que trará benefícios para quem usa e também para quem não usa o transporte público”, disse a profissional de estatística Gleds Moraleida, de 25 anos.
Já na visão do consultor de vendas, Bruno Benfica de Oliveira, 27 anos, a gratuidade impactaria negativamente no trânsito, pois, segundo ele, outras questões como infraestrutura viária e mobilidade deveriam ser consideradas primeiro. “Se pagando está ruim, imagina grátis? Os ônibus estão sempre lotados, alguns não têm ar-condicionado funcionando, sem contar o trânsito, que é péssimo. Isso deveria ser melhorado primeiro”, afirma.
No caso do Bruno, quem paga a passagem é a empresa que o emprega. Pelo PL, os custos para que o serviço na capital mineira seja gratuito ao usuário, além da PBH, as empresas também seriam responsáveis pelo subsídio, como explica o economista e integrante do movimento Tarifa Zero BH, André Veloso.
“O transporte coletivo em BH custa, mais ou menos, R$1,6 bilhão ao ano, sendo que desse valor, R$750 milhões são subsídios da prefeitura, R$450 milhões, mais ou menos, são tarifas pagas pelos usuários, e o restante, R$400 milhões, são de vale transporte pagos pelas empresas empregadoras. O que a gente está propondo é que tudo seja subsídio da prefeitura, mas que isso não venha do orçamento, e sim de uma substituição ao vale do transporte por uma taxa”, explicou.
Na prática, a chamada “Taxa de Transporte de Público" seria cobrada das empresas com 10 funcionários ou mais. A empresa que tem 10 funcionários pagaria o equivalente a um funcionário, a que tem 11, o equivalente a dois funcionários, e assim, sucessivamente. “Nessa modelagem, a contribuição financeira para o transporte público só passa a ser maior que o vale transporte pago pelos empregadores a partir de 50, 60 empregados”, completou Veloso.
De acordo com a vereadora Fernanda Altoé (Novo), que é a relatora do projeto na CLJ, a “Taxa de Transporte de Público” afronta os princípios da "referibilidade e da divisibilidade", uma vez que seria exigida em face de todas as pessoas jurídicas que exerçam atividades no município e empreguem 10 ou mais funcionários, independente do local de residência destes.
Além do valor da passagem
O estudante João Carlos Calazans Aguiar, de 18 anos, usa o transporte diariamente para ir à faculdade e para o estágio. O gasto com as passagens, cerca de R$ 200,00, é pago parcialmente por ele, mas não é o valor que mais impacta nas viagens.
“No horário da manhã, até que é mais vazio, mas a volta, umas 18h30, é precário, não tem ar condicionado, é lotado. Se eu tivesse outra opção de transporte, eu usaria”, afirma. Questionado sobre a opinião dele com relação aos impactos da hipótese de gratuidade, ele foi enfático em projetar um cenário ruim.
“Iria piorar. Imagina, hoje já fica cheio, imagina a quantidade de gente que passaria a usar, ia encher bem mais. Na minha visão, é preciso investir em mais ônibus, mais viagens para dar conta da quantidade de pessoas que usam pagando, se parar de cobrar, vai piorar”, diz.
A biomédica Claudia Gomide, que mora em Belo Horizonte e trabalha em Contagem, na região Metropolitana de Belo Horizonte, transporte público não compensa. “Se fosse para pegar ônibus, seriam três ônibus e mais andar a pé. Para mim, vale a pena usar o carro, se diminuir consideravelmente o tempo que gasto no trajeto”, garante.
Avaliar questões como tempo de deslocamento, segurança e até conforto são pontos a serem avaliados na opinião do consultor em transporte e trânsito, Silvestre de Andrade. Para ele, a tarifa é um fator importante, mas não é o único que deve ser considerado para otimizar o trânsito na cidade.
“Se as pessoas veem o transporte público como de má qualidade, por exemplo, elas não vão migrar dos sistemas privados para o sistema público somente porque ele é gratuito. Deve-se considerar o conforto, a conveniência, a acessibilidade, se o passageiro precisa caminhar muito para chegar no ponto de ônibus ou o local do ponto de ônibus é inseguro”, diz.
Além disso, de acordo com Andrade, não é possível garantir que haverá uma melhoria no fluxo do trânsito apenas pela gratuidade da tarifa. Na visão dele, o impacto mais provável é aumento de custos para o poder público e não necessariamente a solução de problemas antigos do setor de transporte de Belo Horizonte.
“Vai aumentar a demanda? Com certeza. Agora, dizer que vai melhorar o trânsito, não necessariamente. Nós precisamos pensar que temos que ter em Belo Horizonte uma rede de transporte público de qualidade. Na medida que a gente desvia recursos públicos para custear a operação, deixamos de fazer investimentos nos serviços de transporte e continuamos jogando toda atribuição para os ônibus. Vamos aumentar muito a demanda dos ônibus, que vão encher mais ainda. Então, vamos ter que colocar mais veículos nas ruas. Mas aí, vai custar mais caro, de novo, para o sistema. Essas coisas não são simples, não é direta a relação e elas precisam ser estudadas”, conclui.
A Prefeitura de Belo Horizonte foi questionada sobre os impactos da possível gratuidade na tarifa, mas ainda não retornou.