O Governo de Minas Gerais reduziu em 22% os investimentos realizados por meio do Fundo Estadual de Saúde (FES) na construção e ampliação de hospitais e unidades de saúde no Estado. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), os recursos destinados caíram de aproximadamente R$ 1,15 bilhão em 2023 para cerca de R$ 890 milhões em 2024 — uma diminuição de R$ 256 milhões. Esses valores incluem tanto os recursos empenhados diretamente pelo governo estadual quanto os repasses feitos aos municípios para obras de infraestrutura, compra de equipamentos e materiais permanentes. Apesar de os investimentos serem em proporções menores, a demanda segue em alta. Na ponta, os pacientes são forçados a buscar cuidados médicos em outras cidades e a rede de saúde de municípios de referência fica pressionada. “Preciso enfrentar horas de estrada para consultar”, relata a maquiadora Ana Mendes, de 26 anos, que percorre cerca de 640 km entre Salinas e Belo Horizonte para tratar uma síndrome nefrótica.
De acordo com o secretário de Estado de saúde, Fábio Baccheretti, um dos motivos para a queda nos investimentos é o número elevado de hospitais em Minas Gerais. "São mais de 300 em todo o Estado. Por isso, potencializar as unidades de alta complexidade tem mais valor porque elas têm estrutura mais forte e atendem mais a população", argumenta. Ainda segundo Baccheretti, o Estado tem direcionado os pequenos hospitais para a realização de cirurgias eletivas e buscado aumentar a rede por meio de parcerias com hospitais universitários — tais como os de Juiz de Fora, Lavras, Uberaba e Uberlândia. "Não cabem mais hospitais do que nós já temos. Apenas em locais com vazios assistenciais, onde teremos os hospitais regionais, como Conselheiro Lafaiete, Divinópolis, Governador Valadares, Sete Lagoas e Teófilo Otoni", acrescenta.
Apesar dos esforços por meio de parcerias para ampliar a assistência na rede de saúde, a redução nos investimentos voltados à expansão da infraestrutura acende um sinal de alerta em Ipatinga, no Vale do Aço. O município é referência em atendimentos de urgência e emergência para 13 cidades, que somam uma população de cerca de 500 mil pessoas, e também em alta complexidade para outras 85, totalizando 835 mil habitantes. Ipatinga ainda se destaca como polo oncológico para 81 municípios. “Seria bom que alguns desses municípios dependentes tivessem mais estrutura. Por exemplo, o nosso sistema seria aliviado se o serviço de oncologia fosse ampliado em Caratinga, já que esse é um dos nossos maiores gargalos”, aponta o secretário municipal de saúde, Walisson Medeiros.
A sobrecarga nos serviços também é sentida em Belo Horizonte, onde tecnologias e especialidades ausentes em grande parte das cidades da região metropolitana e do interior atraem pacientes de diversas localidades. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde da capital, 30% dos atendimentos nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e 50% das internações são de pessoas que moram em outros municípios. O mesmo levantamento indica que 33% das cirurgias eletivas realizadas em BH são destinadas a pacientes do interior e de cidades vizinhas. “Isso é feito por meio de compactuação com os municípios. Mas quando o Estado deixa de fortalecer as demais cidades, gera uma pressão no nosso sistema de saúde, especialmente no vetor Norte”, afirma o titular da pasta, Danilo Borges.
Em abril deste ano, o Hospital Risoleta Neves — referência para a região norte da capital e para cidades do entorno, como Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, São José da Lapa e Vespasiano — precisou restringir os atendimentos no pronto-socorro devido à superlotação. A unidade passou a priorizar exclusivamente casos classificados como emergência (risco de morte) e de muita urgência (necessidade de atendimento imediato). O hospital, que é 100% SUS e funciona em regime de portas abertas, 24 horas por dia, atende a uma população de 1,5 milhão de pessoas. “Investimentos em Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano ajudariam a mudar essa pressão que o Risoleta Neves enfrenta”, indica Borges.
Média complexidade é desafio para o poder público
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), ampliar o acesso da população aos serviços de média complexidade nos municípios localizados no entorno dos polos macrorregionais é um dos objetivos. A pasta avalia que, com o aumento da oferta em especialidades como cardiologia, oncologia, ortopedia, entre outras, será possível reduzir a sobrecarga em cidades-polo como Ipatinga e Belo Horizonte. “Contagem, por exemplo, tem quase 700 mil habitantes e depende da assistência de cardiologia na capital. Nossa intenção é que o município possa oferecer esse tipo de assistência”, afirma o secretário Fábio Baccheretti.
Ainda de acordo com o secretário, recursos já foram destinados para expandir a rede de atendimento na região metropolitana e no Vale do Aço. Entre as iniciativas, estão obras nos hospitais de Vespasiano e Lagoa Santa; a discussão com Ribeirão das Neves para construção de uma nova unidade hospitalar; e a negociação com Contagem para a realização de cirurgias cardíacas na própria cidade. No Vale do Aço, os investimentos se concentram na ampliação de leitos em Coronel Fabriciano, Ipatinga e Timóteo.
"Isso pode gerar um impacto na rede ainda neste ano”, indica Baccheretti. A SES-MG também informa que tem reforçado a atenção primária, com a destinação de recursos para a construção de Unidades Básicas de Saúde (UBS): foram R$ 478,4 milhões em 2023 e R$ 31,8 milhões em 2024.
“A ampliação do nosso hospital municipal é a principal demanda, principalmente a quantidade de leitos. Isso iria desafogar a nossa UPA e os outros equipamentos da cidade”, sinaliza o secretário de saúde de Ipatinga, Walisson Medeiros. Já o secretário de Saúde de Belo Horizonte, Danilo Borges, avalia que é necessário rever o modelo de repasse de recursos do Estado aos municípios para o custeio das operações, realizadas por meio do sistema tripartite — com financiamento compartilhado entre União, Estado e prefeituras. “Se colocasse em um gráfico o recurso do Estado aos municípios, seria uma linha decrescente. O valor não é corrigido de acordo com a inflação. Mas se tem essa preocupação em ampliar a infraestrutura, é importante. Temos que partir de uma lógica que o usuário não precise deslocar tanto”, aponta.
Mãe e filha a vivem três anos em hospital longe de casa
Desde fevereiro de 2022, a jovem Carliana Rodrigues, de 20 anos e desempregada, vive com a filha em um quarto de hospital em Belo Horizonte, a quase 300 km de sua cidade natal, Diamantina. A mudança forçada ocorreu durante a gestação, quando sua bebê foi diagnosticada com gastrosquise — uma má formação na parede abdominal — ainda no pré-natal. Menos de uma semana após a internação, a criança nasceu e, posteriormente, desenvolveu a síndrome do intestino curto, condição que compromete a absorção de nutrientes. Três anos depois, mãe e filha continuam impedidas de voltar para casa devido à falta de estrutura da rede de saúde regional. “Todas as vezes que procuramos voltar, eles dizem não ter o suporte necessário para minha filha”, afirma Carliana. Entre os serviços ausentes estão a alimentação parenteral e o acompanhamento de equipes médicas e de enfermagem.
Nos últimos anos, a rede estadual sofreu redução no quadro de profissionais. De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), o número de médicos caiu de 1.653, em 2020, para 1.502, em 2025 — uma redução de 9,1%. O total de enfermeiros também diminuiu, passando de 654 para 637 no mesmo período, queda de 2%. Os números incluem servidores ativos, cedidos, aposentados e em processo de aposentadoria.
“Além da falta de estrutura, temos um vazio assistencial em relação aos profissionais. Eles não querem ficar na região do Vale do Jequitinhonha, buscam os centros mais avançados. Então, essa carência de médicos é ainda maior em nossa região”, afirma a secretária municipal de Gouveia, Eva Piqui. O município, com cerca de 12 mil habitantes, tem Diamantina como referência para atendimentos especializados. “Muitos dos nossos pacientes são direcionados para lá, mas falta estrutura. O que geralmente acontece é que esses pacientes precisam ser novamente transferidos, e só encontram esse suporte em Belo Horizonte. O Governo precisa ter esse olhar diferenciado para o Jequitinhonha”, acrescenta.
Para o secretário estadual de saúde, Fábio Baccheretti, a interiorização dos profissionais da saúde não é um problema exclusivo de Minas Gerais, mas uma realidade em todo o país. “Por isso desenvolvemos nossas políticas públicas com base no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Se eu destino, por exemplo, R$ 100 de recursos para Belo Horizonte, vou repassar R$ 130 para as mais pobres, a fim de torná-las atrativas”, expõe. Baccheretti reconhece o vazio assistencial no que tange os atendimentos especializados na região do Vale do Jequitinhonha. “Não temos oncologia habilitada e vamos fazer isso em Diamantina. Essa é uma maneira de diminuir a dependência da capital”, reforça.
Em resposta à reportagem de O TEMPO, o Ministério da Saúde informou que tem direcionado “recursos significativos” a Minas Gerais em diversas áreas. Entre 2023 e 2024, segundo a pasta, foram investidos mais de R$ 42,1 bilhões na Atenção Especializada (média e alta complexidade), por meio de convênios com instituições estaduais. Além disso, foram repassados R$ 3,58 milhões para a construção de um Centro de Parto Normal em Nova Serrana, e há previsão de R$ 85 milhões para a construção de cinco policlínicas — em Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Santa Luzia e Sete Lagoas.
"A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite, compartilhada entre União, estados e municípios. O planejamento e a execução das ações e serviços, incluindo obras e expansão da rede física, são de responsabilidade dos gestores locais, conforme as necessidades de cada região. Cabe ao Ministério da Saúde formular políticas públicas e oferecer apoio técnico e financeiro, quando demandado", finaliza a pasta.