Sexta-feira, 22 horas. O ‘proibidão’ ecoa de carros de som espalhados pela avenida Guarapari, tradicional point de bares no bairro Santa Amélia, região da Pampulha, em Belo Horizonte. Dezenas de pessoas dividem espaço com motociclistas que transformam a via em uma pista do ‘grau’ – manobra que consiste em empinar a moto em uma das rodas. Tudo isso regado a bebidas alcoólicas, drogas, tiros para o alto e sexo, com uma regra: sem hora para acabar. A situação se repete também nas madrugadas de sábado e domingo. O que, para frequentadores, é ‘diversão sem lei’ transformou em pesadelo os fins de semana de moradores e comerciantes, que convivem com insegurança, sujeira e desordem.
"É um verdadeiro baile funk com pessoas de vários lugares. A praça fica muito lotada. A situação hoje está muito grave, não só para os bares, mas principalmente para os moradores. A bagunça vira a noite, às vezes você chega pela manhã e tem som até 9h. Isso aumentou o número de assaltos a pedestres. Depois que passa, fica a sujeira na porta das lojas", conta um comerciante da região, que preferiu não se identificar por medo de represálias.
A situação, que se tornou rotina no local, terminou em uma briga generalizada no último domingo (6/7). Imagens de câmeras de segurança mostram a correria da multidão após intervenção de policiais. Moradora do bairro há 20 anos, Judith Gomes, de 65, conta que cenas do tipo são comuns. Ela também relata que a ação dos militares nem sempre inibe os frequentadores, que acabam retornando quando a PM deixa o local. "Eu me mudei para outra parte do bairro para fugir disso. Mas os vizinhos próximos têm reclamado muito, porque o bairro que era tranquilo ficou muito agitado e barulhento. Quando a viatura vai embora, começam os bailes funk. Se aparece a PM, eles vão para as ruas laterais e depois voltam", lamenta.
Insegurança e prejuízos
A reportagem de O TEMPO esteve na avenida e conversou com moradores e comerciantes, sob condição de anonimato. Todos relataram os impactos sofridos com as festas irregulares: insegurança, sujeira e prejuízos financeiros. O atendente de um bar conta que já perdeu as contas das vezes que presenciou pessoas armadas no local. "Aqui é um bar familiar. Um dia chegou um cara armado na esquina, os clientes viram e foram embora com medo. Tiro para o alto é comum", afirma.
O barulho e a falta de segurança têm causado prejuízo aos comerciantes, que afirmam estar perdendo clientes. "Os comerciantes estão sendo prejudicados, estamos perdendo clientela. Criou-se essa fama da situação que está na avenida (dos bailes funks) e eles (clientes) não estão vindo. Esse movimento muito forte do baile funk, com bebedeira e uso indiscriminado de droga, afasta quem vinha aqui para curtir os bares", lamenta outro comerciante.
A população garante que o caso já foi denunciado inúmeras vezes à Polícia Militar (PMMG), mas reclama da falta de uma ação mais efetiva. Já a PM afirma que, apenas neste ano, realizou 116 operações na avenida — uma média de quatro por semana. As ações ocorrem entre 18h e 6h, durante sextas-feiras, sábados e domingos.
De acordo com o tenente-coronel Luiz Vitor Tagliate, comandante do 49º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), o policiamento na área é constante. Segundo ele, os militares costumam ocupar o local antes da formação de aglomerações. “Inclusive, no momento da briga generalizada que ocorreu na madrugada do último domingo (6/7), viaturas estavam presentes no local, com os PMs dispersando a multidão. Não houve feridos”, afirmou.
Segundo a PM, entre as medidas adotadas pela corporação estão a identificação dos organizadores de eventos não autorizados, fiscalização de estabelecimentos comerciais, autuação de veículos estacionados de forma irregular e apreensão de carros com som automotivo em desacordo com a legislação vigente, abrangendo tanto o campo operacional quanto o administrativo.
Sujeira
Quando o som alto acaba, com a saída dos carros, um rastro de sujeira toma conta do lugar. Cacos de vidro, copos descartáveis, urina, fezes e vômito tomam as portas dos comércios e casas. "A gente sofre com a sujeira. Só funcionamos até 19h, então meu problema é depois. Já abri a porta aqui com vômito, vidro quebrado e pino de droga. É um fedor que invade a loja", conta uma vendedora.
Um comerciante afirma que a prefeitura chegou a acrescentar mais um dia de limpeza no local, que acontece nas segundas-feiras. "É muita sujeira, então a prefeitura implementou uma varredura na segunda-feira para tentar melhorar o aspecto da praça. Antes a gente tinha uma praça, uma rua de lazer, um lugar de diversão e hoje é isso aí", reclama.
O que diz a Prefeitura de BH
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio de nota, informou que o Centro Integrado de Operações (COP-BH) coordena, de forma contínua, operações conjuntas para coibir a desordem em espaços públicos, como eventos clandestinos.
Segundo a administração municipal, essas ações são realizadas de forma integrada, com participação da Guarda Civil Municipal, Polícia Militar, Subsecretaria de Fiscalização (Sufis) e Juizado da Infância e da Juventude.
“Também são realizadas ações semanais em estabelecimentos da região para evitar a desordem pública. No local mais crítico, foram emitidas 10 multas por poluição sonora, mesas e cadeiras irregulares, e quatro interdições por ruídos sonoros e atividade de risco. Foi realizada também uma reunião com empreendedores, solicitando apoio e orientação junto aos frequentadores”, destacou a PBH.
A prefeitura reforçou que denúncias podem ser feitas pelos canais oficiais, como o aplicativo PBH APP e pelos telefones 153 (Guarda Municipal) e 190 (PM).