Pode ser definido nesta quinta-feira (31/7) o futuro de seu João e dona Geralda — casal de quilombolas ameaçados de desapropriação para a implantação de uma pilha de rejeitos de minério —, moradores da comunidade de Santa Quitéria, localizada a cerca de 1 km de distância da estrutura da mineradora CSN que poderá ser instalada na zona rural de Congonhas, na região Central de Minas Gerais. Às 14h, acontece a audiência de conciliação agendada no último dia 18 pela Justiça Federal

A reunião foi convocada pela 8ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, após o ajuizamento de uma Ação Civil Pública (ACP) pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo). A entidade pede, entre outros pontos, a suspensão do decreto estadual publicado em julho de 2024 pelo governador Romeu Zema (Novo), que declarou a área como de utilidade pública para fins de desapropriação. 

A federação também pede que a Justiça proíba as remoções sem consulta prévia à comunidade tradicional, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além da CSN, da Federação e dos moradores, também foram convocados o Estado de Minas Gerais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares. O Ministério Público Federal (MPF) também participa da audiência.

No último dia 16 de julho, a comunidade de Santa Quitéria foi oficialmente reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Palmares. Conforme documento elaborado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas (IHGC), a história da comunidade remonta a 1731, data dos primeiros registros históricos acerca da capela devotada à santa que existe no local. 

Federação denuncia "campanha de desinformação"

Em nota divulgada nesta semana, a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N'Golo) e a Rede Luiz Gama de Advogados em Defesa dos Direitos Quilombolas denunciam que informações falsas sobre o direito de quilombolas estariam sendo difundidas na comunidade. Para eles, o objetivo seria convencer os moradores de Santa Quitéria a "renunciarem à sua identidade quilombola". De acordo com a nota divulgada, as informações falsas que estariam sendo disseminadas em grupos de mensagens tentam convencer a população do local de que a certificação como quilombola levará os moradores a "perder suas casas", que os filhos dos quilombolas perderiam o "direito à herança", entre outras coisas não verídicas.

"A posse dos imóveis, que farão parte do território quilombola, será definida de acordo com as regras tradicionais reconhecidas pela própria comunidade quilombola. No território quilombola, os imóveis serão objeto de posse individual/familiar ou comunitária, a depender das formas de uso reconhecidas pela comunidade. Para não se ter qualquer dúvida: as posses individuais dos quilombolas hoje existentes estarão protegidas e serão respeitadas com a regularização fundiária dos territórios quilombolas", argumentam as entidades na nota divulgada. 

Por fim, a nota, que também foi publicada nas redes sociais pela N'Golo, afirma que a comunidade estaria sendo amedrontada pela utilização de drones pela mineradora, para "vigiar os moradores",  e por rondas feitas constantemente por caminhonetes da empresa "para pressionar lideranças". 

O TEMPO procurou a assessoria de imprensa da CSN nesta quinta, mas, até a publicação da reportagem, a mineradora ainda não tinha se posicionado sobre a audiência e as denúncias feitas pela N'Golo.

Relembre o caso 

João, 74, e Geralda, 66, vivem dias de tensão desde que a Justiça autorizou a desapropriação da casa da família, construída há quase um século no distrito de Santa Quitéria, em Congonhas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) quer instalar no local uma pilha de rejeitos — antes mesmo do licenciamento ambiental ser aprovado.

A casa, cercada por nascentes e árvores nativas, é um símbolo da comunidade. Ali, as netas nadaram em piscina natural, o fubá era moído em pedra pelo avô e o forno de barro guardava o cheiro dos biscoitos da matriarca. “A gente não tem apego a luxo, tem apego à memória”, disse dona Geralda em entrevista a O TEMPO.

No dia 15 de julho, oficiais de Justiça, seguranças e funcionários da CSN foram ao local com placas e correntes para o portão, mas recuaram após o senhor João passar mal. O idoso, acostumado com a rotina tranquila na casa da família, hoje toma remédios para depressão e ansiedade.

A desapropriação foi autorizada por decreto do governador Romeu Zema (Novo). Segundo a CSN, 27 dos 30 imóveis já foram adquiridos de forma amigável. Segundo os moradores, a judicialização ocorreu porque a casa da família é uma das poucas na região com documentação regular.