Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso, está a mais de 2.200 km de distância de Ubá, na Zona da Mata, em Minas Gerais. O longo trajeto, porém, não impediu que a autônoma Raimoni de Souza Queiroz, de 36 anos, viajasse cerca de 24 horas — por ar e por terra — para realizar seu sonho na “capital das plásticas” (como a cidade mineira é popularmente conhecida).  Ela é uma de várias mulheres que procuram o município para se submeterem a procedimentos estéticos a preços mais acessíveis. Na cidade, os prestadores de serviço oferecem uma espécie de combo: casas de recuperação pós-cirúrgicas e até empréstimos para financiar as mudanças no corpo. 

Para quem deseja mexer em várias partes, há até a modalidade X-tudo: elevação dos seios, lipoaspiração das costas com retirada do excesso de pele e gordura abdominal, além do possível aumento dos glúteos. No caso de Raimoni o procedimento orçado em R$ 122 mil na capital Cuiabá saiu por R$ 35 mil em Ubá — uma economia de 71%. Apesar dos valores atrativos, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) lista vários cuidados que os pacientes devem tomar antes de escolher um cirurgião (veja abaixo). Além disso, a Polícia Civil informou que um médico da cidade e a dona de uma casa de recuperação são investigados pela instituição — os nomes não foram divulgados.  

O “sonho”, como ela mesma define, de realizar abdominoplastia (cirurgia que remove o excesso de pele e gordura da barriga, deixando o abdômen mais firme e com aparência “chapada”), lipoaspiração total (remoção de gordura localizada de várias partes do corpo) e mastopexia com prótese (cirurgia que levanta os seios e, ao mesmo tempo, coloca próteses de silicone para dar volume) fez com que Raimoni passasse a pesquisar diversos locais e solicitar orçamentos.

“No meu estado os preços variavam de R$ 85 mil a R$ 122 mil. Eu tinha o sonho de fazer esses procedimentos e por isso pesquisava também nas redes sociais. Foi aí que encontrei o anúncio de uma fisioterapeuta de Ubá. A partir disso, vi que ela dava assistência a pacientes e indicava os nomes de médicos. Cliquei para ver”, relembra.

A busca de Raimoni fez com que ela gostasse e criasse um laço de confiança com uma cirurgiã, apesar de, até a viagem, nunca ter visto a médica pessoalmente. “Talvez isso pode ter acontecido pelo fato de ela ser mulher e eu achar que nós temos um olhar mais apurado para o estético. O perfil dela me passou segurança em vista dos outros.” O próximo passo da moradora de Campo Novo do Parecis foi agendar uma consulta online. “Ela pediu fotos para avaliar, fez uma chamada de vídeo, tirou todas as minhas dúvidas e me senti segura para marcar a cirurgia para setembro de 2024.”

Com a cirurgia agendada, a autônoma precisou realizar uma bateria de exames, que na época ficou em torno de R$ 2.500. “Foram ultrassons dos órgãos e da parede abdominal. Tudo estava ‘ok’ e viajei. Saí de Cuiabá para Confins, de lá tive que ir para a rodoviária de Belo Horizonte, onde fiquei de molho e consegui embarcar em um ônibus até Ubá. Já era meia-noite. Cheguei às vésperas da cirurgia”, afirma.

Os procedimentos feitos por Raimoni aconteceram sem nenhuma intercorrência. “Fiquei na cidade por protocolo de segurança. Nos 15 dias seguintes à cirurgia, tive avaliações com a médica, que verificou como estava indo a cicatrização. Fiquei em uma casa de cuidados, pois fui sozinha da minha cidade.”

Dez meses após realizar o procedimento que tanto desejava, Raimoni agora divulga os serviços para amigas. “Não me arrependo nem um pouco. O arrependimento é de não ter ido antes. Falei com a minha cirurgiã que vou voltar, e desta vez para fazer um procedimento no meu nariz. Em momento algum tive medo.”

Hospedagem e financiamento

Em Ubá, os pacientes encontram as chamadas casas de cuidados, como a mencionada por Raimoni, para se hospedarem durante a permanência no município mineiro. Os pacotes da Casa Irmãs Condé, por exemplo, variam de R$ 1,2 mil (três dias) a R$ 3,2 mil (15 dias). Os serviços incluídos vão desde cuidados de enfermagem diários, administração de medicação, banho, refeições, Netflix e, segundo a empresa, “todo suporte para uma excelente recuperação no pós-operatório”. A informação consta na rede social do estabelecimento. A dona da casa, Ana Paula, chegou a marcar entrevista com O TEMPO, mas desmarcou devido a um atendimento.

Para viabilizar a realização dos procedimentos, uma empresa de Ubá oferece financiamento de cirurgias plásticas. Nas redes sociais, a gerente do Pag Crédito Ubá, Lucilene Queiroz, informa que a empresa disponibiliza “a tão sonhada cirurgia em até 120 vezes para qualquer lugar do Brasil em boletos bancários”. “Você, profissional autônomo, também conseguimos fazer o financiamento. Aqui não tem problema com comprovação de renda. Você parcela a sua cirurgia”, afirma em um vídeo publicado no perfil da empresa no Instagram.

A reportagem entrou em contato com Lucilene, contudo, ela optou por não conceder entrevista.

Cidade atrai pacientes há anos

A vinda de pessoas de diversas partes do Brasil para Ubá ocorre desde antes do boom da cidade nas redes sociais. Em 2011, a economista Flávia Calil, hoje com 35 anos, deixou o Rio de Janeiro após tomar conhecimento dos valores praticados no município da Zona da Mata.

“Meu tio é neurocirurgião e trabalha em um hospital em Ubá, juntamente com a mulher dele, que é enfermeira. Em uma conversa, comentei sobre a vontade de colocar uma prótese de silicone na mama. Ele me falou que tinha vários amigos de confiança e me indicou um cirurgião que realizou meu procedimento por um preço inimaginável”, comenta.

Flávia relembra que, à época, o valor pago foi praticamente de custo. “Foram R$ 4,2 mil, um valor muito abaixo do que era praticado no Rio de Janeiro naquele ano, em torno de R$ 8 mil. Confesso que consegui realizar por ter a informação privilegiada, pois naquele momento as informações não circulavam como hoje.”

A economista ressalta que só foi para Ubá porque o tio conhecia o profissional que realizaria o procedimento. “O preço atrai muito e não caí de paraquedas por lá. Mas de forma alguma sairia do Rio de Janeiro para operar com profissional que não era da minha confiança.”

Arquivo pessoal

Investigação

O receio de Flávia tem fundamento. Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais, tramitam na Delegacia Regional de Polícia Civil de Ubá investigações relacionadas à atuação de profissionais e estabelecimentos voltados à realização de cirurgias plásticas e ao acompanhamento de pacientes no período pós-operatório.

Um dos inquéritos apura a conduta de uma técnica de enfermagem proprietária de uma casa de apoio a pacientes. “Foram colhidos mais de 30 relatos de pessoas que alegam não ter recebido os serviços conforme contratados, indicando indícios de prática de estelionato”, esclarece a instituição, em nota.

O outro procedimento investigativo, que também está em fase final, apura, segundo a Polícia Civil, “não apenas possível crime de estelionato, mas também lesão corporal e outros delitos previstos no Código Penal, envolvendo médico da cidade que figura como principal responsável técnico em diversas das reclamações recebidas”.

“Ressalte-se que muitas das pacientes são oriundas de outros estados, o que, por vezes, resulta no registro de ocorrências em outras jurisdições, dificultando o intercâmbio de informações e o regular andamento de determinadas diligências, especialmente quando ausente a formal representação por parte da vítima”, explica a corporação.

A Polícia Civil destacou seu compromisso com a apuração rigorosa e técnica dos fatos, observando os princípios do devido processo legal e garantindo os direitos de todos os envolvidos.

Conheça as orientações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP):