A ação movida na Justiça Federal apontando suposta existência de lavra ilegal de minério da Vale na Mina Tamanduá, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte acende um alerta sobre possíveis impactos no abastecimento hídrico da Região Metropolitana de BH. Segundo o coordenador do Projeto Manuelzão, o médico sanitarista Marcus Polignano, a atividade clandestina preocupa por colocar sob pressão o abastecimento de água de cerca de 60% da população da capital mineira e 40% da Grande BH.
De acordo com a AGU na ação movida na Justiça Federal, a área ocupada indevidamente pela Vale corresponde a aproximadamente 66,5 mil metros quadrados de terreno pertencente à União – o equivalente a cerca de nove campos de futebol. A mineradora teria autorização para implantar no terreno um mineroduto, porém, não tinha aprovação de lavra mineral na área, sendo que a extração teria ocorrido ilegalmente entre 2013 e 2022.
A mina Tamanduá está localizada na região do Alto Rio das Velhas, que é estratégica para a recarga hídrica do reservatório de Bela Fama, um dos principais da Região Metropolitana da capital mineira. "A região faz parte do quadrilátero aquífero, vai na direção do reservatório de Bela Fama, na região do Alto Rio das Velhas. Essa é uma área que já teve uma destruição maciça da canga, que são áreas fundamentais para a recarga hídrica", explica.
Ainda conforme o ambientalista, o prejuízo para o abastecimento de água das cidades da Grande BH é "irreparável". “Essa região já sofreu muito com o rebaixamento do lençol freático. Na prática, estamos perdendo capacidade de reparação hídrica, de reservar água, em uma região, no caso de Belo Horizonte, que anualmente vive um estresse hídrico monumental. Precisamos entender que o rio só tem capacidade de distribuição, de armazenamento de água, na medida que ele tem recarga. E essa recarga vem exatamente destas regiões montanhosas que são alvo da mineração", completa o médico sanitarista.
A situação seria agravada, segundo Polignano, pela falta de fiscalização adequada por parte dos órgãos públicos. “Grande parte do licenciamento é feito por autodeclaração. As empresas mandam papéis, e ninguém vai a campo verificar. Aí, quando o dano já está feito, vem esse tipo de ação judicial, que acaba em acordos, nos TACs, que, na prática, custam muito menos para a empresa do que o lucro que ela obteve de forma ilegal", criticou.
Posicionamentos
A Vale foi procurada por O TEMPO e disse em nota desconhecer a ação judicial em questão, não tendo ainda sido citada. A mineradora garante, contudo, que cumpre a legislação e regulamentação vigentes e aplicáveis ao setor.
A Copasa foi questionada sobre os possíveis impactos no abastecimento da Grande BH. Em nota, a companhia afirmou que acompanha a situação de forma permanente, em estreita articulação com os órgãos de fiscalização, Defesa Civil e demais autoridades competentes.
"Ressalta, ainda, que dispõe de plano de contingência operacional devidamente estruturado, que contempla, entre outras ações, em caso de necessidade: a execução de manobras operacionais entre sistemas de abastecimento interligados, como os Sistemas Paraopeba e Rio das Velhas; ativação de fontes alternativas de captação de água, bem como a utilização de volumes estratégicos de reservação disponíveis; abastecimento emergencial por meio de caminhões-pipa, com prioridade para áreas e instalações sensíveis, como unidades hospitalares, serviços de saúde e equipamentos públicos essenciais e, caso seja necessário, a implantação de rodízio no abastecimento", diz em trecho do posicionamento.
A companhia reafirmou o compromisso com a segurança hídrica, a saúde pública e a transparência, e que continuará mantendo a população, os veículos de imprensa e as autoridades informadas por meio de seus canais oficiais.
Procurada por O TEMPO, a Prefeitura de Nova Lima informou que acompanha com atenção as informações sobre a suposta lavra ilegal de minério no município.
"Até o momento, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente não recebeu nenhuma denúncia formal relacionada a essa situação. Ainda assim, diante da relevância do tema e de possíveis impactos socioambientais, sobretudo no abastecimento hídrico da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Prefeitura solicitará esclarecimentos aos órgãos competentes, além de acompanhar os desdobramentos da ação judicial mencionada. A Prefeitura de Nova Lima reforça seu compromisso com a preservação ambiental e com a segurança da população", afirmou no posicionamento.
Procuradas pela reportagem sobre a possível lavra ilegal, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e a Agência Nacional de Mineração (ANM), responsáveis pela fislicalização da atividade, não se manifestaram até a publicação da reportagem.
Comunicado aos acionistas
Horas após a divulgação da ação judicial pela AGU, a Vale publicou uma nota direcionada aos seus acionistas tratando sobre o caso. No "Comunicado ao Mercado", divulgado nesta sexta-feira (1/8), a empresa alega que tomou conhecimento da ação movida na Justiça Federal "pela imprensa".
"A Companhia informa que não foi citada pelo Poder Judiciário a respeito de tal ação, e que irá apresentar sua manifestação ao juízo competente em momento oportuno. A Vale reitera seu compromisso de manter o mercado informado sobre desdobramentos materiais a respeito de seus negócios", diz o texto, que é assinado por Marcelo Feriozzi Bacci, vice-presidente Executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale.
A notícia sobre a ação bilionária, que tramita no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), ocorre um dia após a mineradora apresentar os resultados do segundo trimestre de 2025, divulgados na noite de quinta-feira (31/7). O lucro líquido de R$ 2,12 bilhões obtido pela Vale no período superou a expectativa do mercado, gerando, nesta sexta, um aumento de 1,95% no valor das ações da empresa.
"Nosso dever é garantir que os danos causados ao patrimônio público não fiquem impunes e que os responsáveis arquem com os custos da degradação”, disse a advogada da União Karina Bragio, que assinou a ação judicial, que trata a conduta da Vale como um caso de enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio público federal.
Além dos danos ambientais, a AGU argumenta que a exploração irregular causou prejuízos financeiros à União, que deixou de arrecadar valores devidos pela comercialização do minério extraído sem título de lavra. O órgão pede a devolução dos valores, com correção, e uma indenização pelo uso indevido da área pública.
“Além da compensação financeira, a ação tem também caráter pedagógico, desestimulando condutas semelhantes por outras empresas”, afirmou o coordenador regional de Patrimônio e Meio Ambiente da Procuradoria Regional da União da 6ª Região (PRU6), Adriano Campos Cruz.