Prestes a vencer o prazo estipulado pela Lei 11.285, de 2021, que proíbe veículos de tração animal em Belo Horizonte, a partir de 22 de janeiro de 2026, pouco (ou quase nada) foi feito efetivamente para que a situação seja diferente da que ainda hoje se vê: centenas de carroças sendo puxadas por cavalos e conduzidas por trabalhadores informais. De um lado, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) garante que vai estar pronta para lidar com os impactos que a retirada desses veículos vai deixar, como garantir um novo lar para os animais “aposentados” e oferecer novas opções de transporte ou de trabalho aos cerca de 500 carroceiros cadastrados pelo Executivo municipal — a PBH acredita que o número seja ainda maior. De outro, a incerteza vivida por esses profissionais com relação ao sustento sem o auxílio dos equinos.

A regra foi aprovada por causa do bem-estar dos animais, que costumam puxar carroças com sobrecarga de peso. Além disso, eles são submetidos a condições de exploração e sofrimento psíquico e, quando soltos nas vias, podem significar perigo para motoristas e pedestres. Na última segunda-feira (25/08), durante o lançamento de um projeto de bem-estar animal, o prefeito Álvaro Damião (União Brasil) foi questionado sobre as ações executadas pela PBH para que esse grupo de trabalhadores tenha novas fontes de renda. Ele garantiu que nenhum trabalhador ou suas famílias será desamparado.

“O que eu estou fazendo agora, como prefeito da cidade, é otimizando todo o tempo possível, porque a gente tem que fazer e a gente vai fazer. Nas entrevistas que eu dei, deixei bem claro, e aqui eu repito para o nosso povo de Belo Horizonte e para Minas Gerais: nós vamos cuidar daqueles que estavam sentados em cima da carroça trabalhando. Nós estamos preocupados com a vida dessas pessoas, com a família dessas pessoas. Você que é carroceiro em Belo Horizonte, pode ficar tranquilo que eu vou cuidar de você, assim como vou cuidar também dos animais. Essa é a nossa preocupação. Nós vamos conseguir fazer com que essas pessoas possam trabalhar dignamente em espaços dentro da própria prefeitura”, garantiu.

Na lista de cuidados estariam a oferta de novos empregos aos carroceiros ou a compra de veículos automotores, elétricos ou motorizados, como motonetas, em substituição aos animais. Entretanto, para quem vive essa realidade, como é o caso do carroceiro Nilton Junior Miranda Ribeiro, de 44 anos, a alternativa de substituição do cavalo por motocicleta não seria ideal, já que ele afirma não ter condições de obter habilitação. “Eu não tenho nem estudo. Eu trabalho na carroça há quase 40 anos. Sempre fiz isso. É meu sustento e não quero outra coisa, não”, afirma.

Quem também não vê a habilitação como solução é o carroceiro Adriano Mota, de 51 anos. Segundo ele, o ofício que exerce é uma herança de família que já está sendo passada para outras gerações.


“Trabalho com isso (como carroceiro) há uns 25 anos. O que eu vou fazer depois? Uai, trabalhar de bico, né? Fazer outra coisa, vai ter que ser. Tenho dez filhos, quatro são casados, mas outros seis moram comigo”, afirma. Ele faz parte de um grupo de trabalhadores que segue sem perspectivas positivas sobre continuar o ofício de transportar objetos, como entulhos, mudanças, restos de obras, etc., com a força de um cavalo. “A gente tem a clientela da gente, né? Que liga pra gente, e a gente vai e faz o serviço. Aí, quando não tem nada, a gente pega (produtos para) reciclagem”, conta. Segundo ele, o trabalho sobre rodas e patas rende, em média, R$ 300 por semana. O valor é bem superior ao que ele consegue na atuação com reciclagem.

Compra de motos depende de recursos

Para além desse impasse envolvendo a realidade de cada trabalhador, para viabilizar essa oferta, a PBH ainda precisaria adquirir recursos para a compra dos modais, além de analisar os casos isoladamente. Em esfera federal, o deputado Fred Costa (PRD), que é um defensor da causa animal, contou que está em busca de aportes para que a lei seja aplicada dentro do prazo. Ele estima que os custos girem em torno de R$ 5 milhões.

“Se a lei começasse a valer hoje, não estaríamos prontos para executá-la. Não temos estrutura, já fizemos duas reuniões com prefeito e vereadores e entendemos que necessitamos de aportes diferentes. Com certeza, nós estamos com grande desafio, mas já vencemos quando a lei foi sancionada”, afirmou.

Uma comissão deve ser criada para garantir emprego e dignidade

Apesar das desconfianças dos trabalhadores, o secretário municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte, João Paulo Menna Barreto, garantiu que a cidade estará preparada para se adequar à nova regra. Para isso, uma comissão intersetorial será criada entre diferentes secretarias para atuar nessa frente de trabalho.

“Vamos estudar quais regras e formatos serão aplicados a cada caso. Para aqueles carroceiros que têm carteira, será uma opção. Para os que não têm, terá outra opção, tudo para garantir a promoção social e a sustentabilidade para todos”, afirmou.

Outro ponto a ser avaliado pela comissão, segundo o secretário, será o destino dos animais. “BH já tem os locais para onde os animais abandonados ou resgatados são encaminhados, mas a demanda será ainda maior. Estaremos preparados”, afirmou, sem dar detalhes.

Abrigos para equinos são desafio

De acordo com o deputado federal Fred Costa, algumas ONGs de bem-estar animal devem atuar nesse sentido como parceiras da PBH, mas também reconheceu o tamanho do desafio que advém. “Se é difícil ter abrigo para cão e gato, imagina para cavalo. Hoje, temos um número significativo de cavalos, a gente vai precisar de estrutura”, pontuou.

Um projeto de lei tramita na Câmara Municipal para que a entrega de eventuais veículos elétricos e motorizados seja condicionada à entrega voluntária do animal pelo tutor. A proposta, que pode ser acrescentada à lei, já foi aprovada em primeiro turno.

“Eles dizem que vão acabar com as carroças, mas tinha que acabar com quem maltrata os animais. Eu trato dele, cuido, não faço maldade”, diz Nilton Junior Miranda Ribeiro, de 44 anos, enquanto prepara o animal para mais um serviço. “Eles me ligaram agora para fazer um serviço. Estou indo, sem fazer mal a ninguém”, completa. Segundo ele, mesmo com a lei, não pretende se desfazer do bicho.