O primeiro contato que os alunos da Escola Estadual Antônio Correa e Silva, na comunidade quilombola de Alegre, em Januária, no Norte de Minas Gerais, tiveram com água potável veio por meio do programa Cisternas nas Escolas. A iniciativa, coordenada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) em parceria com a Cáritas, prevê a construção de estruturas capazes de armazenar até 52 mil litros de água da chuva, garantindo abastecimento durante os longos períodos de estiagem que marcam a região.

“Antes, a escola era mantida com água cedida pela comunidade, vinda de dois poços artesianos, mas sem tratamento. Com a cisterna, tivemos acesso a água de qualidade pela primeira vez”, lembra o diretor da instituição, Odair de Almeida. Atualmente, além da cisterna, a escola também conta com sistema de tratamento da água do poço, implantado pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) para reforçar a segurança do abastecimento.

O processo é relativamente simples, mas envolve cuidados técnicos para garantir a potabilidade. A água da chuva é coletada a partir do telhado da escola, canalizada por calhas e direcionada para a cisterna. As primeiras chuvas, que carregam sujeira acumulada, não são aproveitadas: ficam retidas em um dispositivo chamado “filtro de primeira água”. Só depois a água segue para o reservatório, passando por outro filtro antes de ser armazenada e disponibilizada para consumo.

As cisternas são construídas em alvenaria, fechadas com tampa de cimento e apenas uma abertura de acesso, para reduzir riscos de contaminação. Além disso, cada unidade recebe filtros adicionais para complementar a purificação antes do uso. “É uma água de qualidade, potável, adequada para beber e cozinhar”, garante o geógrafo Valmir Lopes de Queiroz, coordenador de projetos da Cáritas em Januária.

o semiárido, onde a água de poços muitas vezes contém excesso de sais minerais ou até contaminação por coliformes fecais, as cisternas representam dignidade e sobrevivência. “É uma água pura, que permite, por exemplo, dar banho em um recém-nascido. Antes, muitas crianças morriam de contaminação porque os pais usavam água imprópria”, relata Valmir. Como mostrado na primeira reportagem desta série, 14% das escolas estaduais de Minas Gerais não têm tratamento da água.

Desde 2009, o programa Cisternas nas Escolas já beneficiou 7.395 escolas em 674 municípios do semiárido brasileiro. Em Minas, 592 escolas foram beneficiadas. Em muitos lugares, o sistema foi descrito pelas famílias como “a salvação” diante da ausência de alternativas seguras. Mas Valmir reconhece que a tecnologia, sozinha, não resolve o problema. “As cisternas garantem quantidade e qualidade mínima de água, mas é preciso políticas públicas estruturantes para assegurar saneamento básico integral às comunidades”, pontua.

Programa ‘Encontro das águas’ garante infraestrutura 

A escassez hídrica é um problema que demanda, além de ações emergenciais nas comunidades afetadas, projetos estruturantes para mudar realidades a longo prazo. O programa Encontro das Águas é uma das alternativas em curso com soluções sustentáveis diversas, como ajuda para irrigação, implantação de cisternas, preservação de nascentes, monitoramento da qualidade da água e educação ambiental no semiárido mineiro. Serão investidos cerca de R$ 600 milhões ao longo das ações. 

Coordenada pelo governo do estado, a ação reúne cerca de 30 instituições, como o Tribunal de Justiça, a Copasa e o Poder Legislativo. Em julho deste ano, a última etapa do programa foi lançada. Na ocasião, foi anunciada a implantação de 56 cisternas para captação de água da chuva, com investimento de R$ 487 mil. Outros nove municípios do Norte vão receber 538 cisternas a um custo de R$ 4,2 milhões. “Todos esses investimentos vão garantir água digna para a população usar e beber, água nas escolas, água da chuva que vamos acumular para o combate à seca, entre outras coisas”, disse o vice-governador Mateus Simões no lançamento.