Servidor de carreira, aprovado em primeiro lugar no concurso para atuar na Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), Daniel dos Santos Gonçalves, viveu os piores momentos da vida profissional quando foi promovido a superintendente da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram Central). Em cinco meses no cargo, ele revogou vários atos que liberavam a mineração irregular na serra do Curral e passou a ser perseguido por tentar barrar um esquema de corrupção dentro da pasta. “Pedi minha exoneração do cargo por entender que estaria diante de um verdadeiro esquema de corrupção”, disse em depoimento aos investigadores. 

 A fala consta no Inquérito da Polícia Federal, com 153 páginas assinado pelos delegados federais Márcia Versieux e Vitor Barbabella. Em contato telefônico com a reportagem, Daniel explicou: “Eu era assessor da secretária de meio ambiente (Marília Carvalho de Melo), e ela me colocou no cargo depois que o superintendente foi afastado com suspeita de corrupção após ter sido apontado em matéria como ‘soldado das mineradoras’. A minha função era rever esses atos. Na primeira semana eu já vi que tinha que cancelar tudo que tinha sido aprovado na serra do Curral. Achei estranho porque tinham erros muito absurdos, era muito mais pesado do que eu imaginava e eu não tinha apoio, estava sozinho nisso”.

Os atos administrativos que ele derrubou foram aprovações para que as empresas  Mineração Gute Sicht Ltda e Global Fleurs, principais investigadas pela PF nessa operação em curso, pudessem minerar áreas ilegais na serra do Curral. Para os investigadores, Daniel narrou que: essas duas empresas “tiveram condução extremamente prioritária no âmbito da Semad, com grande preferência aos demais e com grande urgência na regularização”. 

 A PF aponta que “há fortes indícios de que membros de diversos órgãos públicos ambientais estão sendo cooptados pela organização criminosa, seja por meio de vantagens indevidas, seja por pressões diretas ou indiretas, com o objetivo de facilitar a aprovação, a execução ou a omissão fiscalizatória em projetos de elevado potencial lesivo”. 

Com a análise de conversas telefônicas e movimentações financeiras, os investigadores conseguiram identificar nomes de servidores envolvidos no esquema de facilitação de exploração mineral no Estado. Um dos casos citados é o da Débora Maria Ramos do Nascimento França, que foi Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Minas Gerais entre abril de 2020 e fevereiro de 2023. Ela teria recebido mais de meio milhão de reais (565,9 mil) entre setembro de 2023 e dezembro de 2024, após influenciar decisões técnicas para viabilizar licença ambiental para a Fleurs minerar em área tombada da serra do Curral.

“Sua conduta foi essencial para legitimar, por meio de pareceres técnicos e articulações institucionais, empreendimentos minerários em áreas protegidas, contribuindo diretamente para a prática de crimes contra o meio ambiente, a administração pública e o patrimônio cultural, em nítida adesão à estrutura e aos objetivos da organização criminosa”, conclui a investigação. 

 Mas ela não era a única a colaborar, conforme a PF.  O esquema envolve vários membros do alto escalão da Semad, do governo de Minas, e até da Agência Nacional de Mineração (ANM), do governo federal. Foram citados ainda os seguintes servidores que, à época dos crimes ocupavam os cargos a seguir: Rodrigo Gonçalves Franco (presidente da FEAM), Vitor Reis Salum Tavares (diretor de Gestão Regional da FEAM), Lirriet de Freitas Libório Oliveira (chefe da Unidade Regional de Regularização Ambiental Leste Mineiro - URA-LM/FEAM), Fernando Baliani da Silva (diretor de Apoio à Regularização Ambiental da FEAM), Arthur Ferreira Rezende Delfim (diretor de Apoio à Regularização Ambiental da FEAM), Breno Esteves Lasmar (diretor-geral do IEF e presidente da Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas - CPB), Leandro César Ferreira de Carvalho (gerente regional da ANM/MG), Guilherme Santana Lopes Gomes (diretor da ANM), Caio Mário Trivellato Seabra Filho (diretor da ANM), Débora Maria Ramos do Nascimento França (ex-superintendente do IPHAN/MG, Fernando Benício de Oliveira Paula (conselheiro do COPAM, representante da sociedade civil). 


+ Veja a lista completa dos investigados pela PF e a participação de cada um deles no suposto esquema de corrupção. 


Para Daniel, que pediu exoneração do cargo de superintendente e agora continua como servidor em outra área da secretaria, a operação da PF é um alívio: “Eu sou um servidor de carreira, passei em primeiro lugar no concurso, e cansei de ser onerado, perseguido, sem ter culpa. Eu não tenho nada contra mineração, como atividade econômica. Eu só não concordei com a mineração irregular e fiz meu trabalho”, diz. Daniel foi nomeado superintendente na Supram Central em agosto de 2022 e pediu para sair do cargo em janeiro de 2023.

A equipe de O TEMPO tenta contato com os advogados de todos os investigados. A ANM informou, em nota, que, até o momento, não foi comunicada oficialmente pela PF sobre eventuais medidas envolvendo servidores ou dirigentes. "A ANM reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e a colaboração com as autoridades, sempre que formalmente demandada, observando o devido processo legal e a continuidade dos serviços regulatórios", concluiu. O governo do Estado se posicionou garantindo colaboração com a investigação e prometendo exonerar os envolvidos.